quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Homem que bebe sozinho

As sentinelas vigiam, os revolucionários conspiram, as ruas estão vazias. A cidade adormeceu ao ritmo monótono da chuva; as águas da baía, viscosas de petróleo, lambem, lentas, o cais. Um marinheiro tropeça, discute com um poste, erra o golpe. Nos pés do morro, arde como sempre a chama da refinaria. O marinheiro cai de bruços sobre um charco. Esta é a hora dos náufragos da cidade e dos amantes que se desejam.
A chuva cresce, agora mais feroz. Chove de longe; a chuva bate contra as janelas do café do grego e faz vibrar os vidros. A única lâmpada, amarela, luz doentia, oscila no teto. Na mesa do canto, não há nenhuma moça tomando café e fabricando barquinhos com o papel do açúcar para que o barquinho navegue em um copo d’água e depois naufrague. Há um homem que vê chover, na mesa do canto, e nenhuma outra boca fuma de seu cigarro. O homem escuta vozes que vêm de longe e dizem que juntos somos poderosos como deuses, e dizem: quer dizer que não valia a pena, toda essa dor inútil, toda essa sujeira. O homem escuta, essa mentira, estátua de gelo, como se as vozes não chegassem do fundo da memória de ninguém e fossem capazes de sobreviver e ficar flutuando no ar, no ar que cheira a cachorro molhado, dizendo: gosto de gostar de você, minha linda, minha lindíssima, corpo que eu completo, você me toca com os dedos e sai fumaça, nunca aconteceu, jamais acontecerá, e dizendo: tomara que fique doente, que tudo dê errado na sua vida, que você não possa continuar vivendo. E também: obrigado, é uma sorte que você exista, que tenha nascido, que esteja viva, e também: maldito seja o dia que lhe conheci.
Como acontece sempre que as vozes chegam, o homem sente uma insuportável vontade de fumar. Cada cigarro acende o próximo enquanto as vozes vão caindo, trepidantes, e se não fosse pelo vidro da janela com certeza a chuva machucaria sua cara.
Eduardo Galeano, in Vagamundo

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