sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Caquizeiro



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Um caquizeiro foi plantado na Fazenda Santa Elisa ao lado de dois gigantescos pés de lixia que há mais de cinquenta anos vivem no final de um gramado imenso. De longe, as lixias se parecem com mangueiras pelo arredondado de suas copas densas, mas são maiores. As folhas vão até o chão, deixando no seu interior um vazio onde gosto de ficar em silêncio. É o meu lugar sagrado, a minha catedral. Ao lado das duas árvores gigantes está um pé de seriguela que na estação própria se enche de frutos vermelhos. Andando-se alguns passos para a direita, a gente topa com um pé de jatobá. O caquizeiro vai crescer em boa companhia, aprendendo da tranquilidade e bondade das árvores já velhas que serão suas mestras. Depois que sobre Nagasaki foi lançada a segunda bomba atômica matando duzentas mil pessoas, o que ficou foi ruína e morte. Morreram os seres humanos, morreram os animais, morreram as plantas. Foi então que uma coisa extraordinária aconteceu: passado o tempo, uma árvore que o fogo havia queimado e todos julgavam morta começou a brotar. Era um caquizeiro. Os japoneses se assombraram com aquele milagre: uma árvore mansa que foi mais forte que a bomba! E tomaram a ressurreição da árvore do caqui como um símbolo da teimosia da vida. Começaram então a colher as sementes lisas dos frutos daquela árvore e a plantá-las. Quando as plantinhas nasciam e cresciam um pouco, eles as enviavam como presentes de paz a todas as partes do mundo. Para que ninguém se esquecesse... Para que ninguém perdesse as esperanças... Quando as pessoas forem visitá-la, alguém lhes contará a sua estória. Certamente que os seus frutos, os caquis vermelhos, serão comidos. Não como uma fruta vermelha, mas como um sacramento. A mudinha está dormindo. Nem uma única folha. Mas os brotos estão estufando a casca, como pintinhos dentro de um ovo. Chegando a primavera, a mudinha acordará para o mundo.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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