Um
caquizeiro foi plantado na Fazenda Santa Elisa ao lado de dois
gigantescos pés de lixia que há mais de cinquenta anos vivem no
final de um gramado imenso. De longe, as lixias se parecem com
mangueiras pelo arredondado de suas copas densas, mas são maiores.
As folhas vão até o chão, deixando no seu interior um vazio onde
gosto de ficar em silêncio. É o meu lugar sagrado, a minha
catedral. Ao lado das duas árvores gigantes está um pé de
seriguela que na estação própria se enche de frutos vermelhos.
Andando-se alguns passos para a direita, a gente topa com um pé de
jatobá. O caquizeiro vai crescer em boa companhia, aprendendo da
tranquilidade e bondade das árvores já velhas que serão suas
mestras. Depois que sobre Nagasaki foi lançada a segunda bomba
atômica matando duzentas mil pessoas, o que ficou foi ruína e
morte. Morreram os seres humanos, morreram os animais, morreram as
plantas. Foi então que uma coisa extraordinária aconteceu: passado
o tempo, uma árvore que o fogo havia queimado e todos julgavam morta
começou a brotar. Era um caquizeiro. Os japoneses se assombraram com
aquele milagre: uma árvore mansa que foi mais forte que a bomba! E
tomaram a ressurreição da árvore do caqui como um símbolo da
teimosia da vida. Começaram então a colher as sementes lisas dos
frutos daquela árvore e a plantá-las. Quando as plantinhas nasciam
e cresciam um pouco, eles as enviavam como presentes de paz a todas
as partes do mundo. Para que ninguém se esquecesse... Para que
ninguém perdesse as esperanças... Quando as pessoas forem
visitá-la, alguém lhes contará a sua estória. Certamente que os
seus frutos, os caquis vermelhos, serão comidos. Não como uma fruta
vermelha, mas como um sacramento. A mudinha está dormindo. Nem uma
única folha. Mas os brotos estão estufando a casca, como pintinhos
dentro de um ovo. Chegando a primavera, a mudinha acordará para o
mundo.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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