Apaixonar-se: uma espécie de queda
“Mas
eu continuava querendo acreditar naquilo em que acreditam todos os
apaixonados: que a coisa em si é melhor do que qualquer alternativa,
mesmo quando não correspondida, derrotada, louca. Eu queria
apegar-me à imagem do amor como uma fusão de almas, uma mistura,
como o triunfo do impuro, do vira-lata, juntando o melhor de nós de
modo a sufocar o que tínhamos de solidão, isolamento, austeridade,
dogmatismo, pureza; o amor como democracia, como a vitória do
Plural, do homem-algum-é-uma-ilha, do dois-é-bom, e a derrota do Uno, do apartheid, do limpinho, do mesquinho.
Tentei
ver a falta de amor como arrogância, pois quem, senão aquele que
não ama, pode considerar-se completo, um ser que tudo vê e tudo
sabe? Amar é perder a onipotência e a onisciência. Apaixonar-se é
mergulhar na ignorância; sim, é uma espécie de queda. Fechando os
olhos, saltamos de um rochedo na esperança de cair em algo macio.
Nem sempre é macio; mas ainda assim, eu repetia a mim mesmo, ainda
assim, sem esse salto ninguém vive de verdade. O próprio salto é
um nascimento, mesmo quando termina em morte.”
Salman
Rushdie, in O último suspiro do mouro
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