Dei
uma volta na rua, pensando no que tinha acontecido. Era a maior que
eu já recebera. Normalmente, diziam apenas: “Lamentamos, mas esta
obra não segue nossos padrões” ou, “Lamentamos, mas não temos
como enquadrar seu texto em nossa linha editorial”. Ou o que era
mais comum, a boa e velha rejeição impressa e padronizada.
Mas
esta era a maior de todas. Era sobre o meu conto “Minhas aventuras
em meia centena de pensões”. Fui até um poste de luz, retirei a
carta do bolso e a reli:
Caro
sr. Bukowski: De fato, trata-se de uma reunião de ideias ótimas,
mas também de outras coisas tão cheias de prostitutas idolatradas,
manhãs de ressaca e vômito, misantropia, elogio ao suicídio etc.
que não creio que qualquer revista em circulação possa aceitar o
conto. Há, no entanto, uma espécie de saga de um certo tipo de
pessoa no que o senhor escreve, um trabalho feito com honestidade. É
possível que publiquemos alguma coisa sua em breve, só não podemos
precisar quando. Depende do senhor.
Atenciosamente,
Whit
Burnett
Ah,
eu conhecia aquela assinatura: o longo “h” que se curvava em
direção à extremidade do “W”, e o começo do “B” que
descia página abaixo.
Coloquei
a carta de volta no bolso e segui caminhando pela rua.
Sentia-me
muito bem. Fazia então apenas dois anos que eu estava escrevendo.
Dois breves anos. Hemingway precisou de dez. E Sherwood Anderson
tinha quarenta antes de publicar alguma coisa.
Enfim,
me parecia que o melhor a fazer era largar a bebida e as mulheres de
má fama. De toda maneira, estava difícil de conseguir uísque, e o
vinho estava arruinando o meu estômago. Millie... bem, me livrar de
Millie seria muito mais complicado...
...Mas
Millie, Millie querida, precisamos nos lembrar da arte. Dostoiévski,
Górki, a invasão russa, e agora a América quer alguém do Leste
Europeu. A América está cansada de tantos Browns e Smiths. Os
Browns e os Smiths são bons escritores, mas há milhares deles,
todos escrevendo igual. A América deseja algo obscuro, as meditações
impraticáveis e os desejos reprimidos de um homem do Leste Europeu.
Millie,
Millie, seu corpo é perfeito: todo ele desce firme até os quadris,
e fazer amor com você é fácil como calçar um par de luvas no auge
do inverno. Seu quarto está sempre quente e alegre e você tem
discos e queijos e sanduíches que me agradam. E, Millie, tem o gato
também, lembra? Lembra quando era um filhotinho? Tentei ensiná-lo a
dar a patinha e depois rolar, e então você me disse que ele não
era um cachorro e que não ia conseguir fazer aquilo. Bem, eu
consegui, não é verdade, Millie? O gato agora já cresceu e já tem
seus filhotinhos. Mas a hora dele chegou, Millie: os gatos e o seu
corpo perfeito e a Sexta Sinfonia do Tchaikovsky. A América
precisa de um homem do Leste Europeu…
Charles
Bukowski, in Pedaços de um caderno manchado de vinho
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