sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O perigo que ronda as oficinas literárias

Nas oficinas literárias, às vezes, alguns participantes apegam-se a detalhes do texto, inadequações semânticas e sintáticas, referências espaciais e temporais, e propõem um verdadeiro napalm corretivo. Para matar um inseto, devastam uma floresta inteira, no afã de tornar o texto “mais universal”. Como se o que constituísse a universalidade de uma obra literária fosse a pasteurização vocabular, a homogeneização estilística e a desvitalização de conteúdo.
Em geral, são alunos que não compreendem as relações sociais, políticas e econômicas que constituem a malha do discurso e do sentido. Açodados pela ansiedade de mostrar o próprio texto, preferem patinar sobre ele, apontar o óbvio e produzir toneladas de materiais que receberão da história futura uma não tão generosa recepção quanto a dos colegas de turma.
A estes, urge a leitura de Bakhtin, de Saussure, de Ducrot, de Benveniste, de Greimas, de Jakobson, de Charaudeau, de Authier-Revuz, de Bally e, por que não dizer, de Sartre. Mas, com frequência, e não por acaso, são alunos que resistem às necessárias paradas teóricas que proponho em meu método pedagógico. Por eles, as aulas seriam compostas somente de leitura e de discussão dos textos produzidos pelos próprios discentes.
Por outro lado, só avanço, teoricamente, quando percebo que meus alunos estão prontos para acompanhar os não tão simples raciocínios dialéticos da teoria linguística e literária. E para que sejam capazes disso, é preciso aprofundamento, que só virá pela ampliação da leitura, em casa, e pela discussão qualificada dos temas, em sala de aula.
Às vezes, é necessário mesmo deixar que as coisas girem em torno de vírgulas, até o momento de implodir o grupo e recomeçar com um novo. Outros alunos talvez compreendam que o texto literário de qualidade é espesso, opaco e plurivocal, e que a conquista da grande literatura só se dá pelo obstinado rigor.
Charles Kiefer, in Para ser escritor

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