“Dar
estilo
ao seu caráter... é uma arte deveras considerável que raramente se
encontra! Para a exercer é necessário que o nosso olhar possa
abranger tudo o que há de forças e de fraquezas na nossa natureza,
e que as adaptemos em seguida a um plano concebido com gosto, até
que cada uma apareça na sua razão e na sua beleza e que as próprias
fraquezas seduzam os olhos. Aqui ter-se-á acrescentado uma grande
massa de segunda natureza, nos pontos onde se terá tirado um pedaço
da primeira, à custa, nos dois casos, de um paciente exercício e de
um trabalho de todos os dias. Neste lugar disfarçou-se uma fealdade
que se não podia fazer desaparecer, noutro ela foi transmudada,
fez-se dela uma beleza sublime. Grande número de elementos, que se
recusavam a tomar forma, foram reservados para ser utilizados nos
efeitos de perspectiva: darão os longes, o apelo do infinito. Foi a
unidade, a pressão de um mesmo gosto que dominou e afeiçoou no
grande e no pequeno: a que ponto, vemo-lo por fim, uma vez terminada
a obra; que esse gosto seja bom ou mau, importa menos do que se
pensa, basta que tenha havido um.
Serão
as naturezas fortes e dominadoras que apreciarão as alegrias mais
sutis nesta opressão, nesta escravatura, nesta perfeição ditadas
pela lei pessoal; o aspecto de qualquer natureza estilizada, de
qualquer natureza, enfim, vencida e submetida, alivia a paixão da
sua forte vontade; se têm de construir palácios, se têm de plantar
jardins repugna-lhes também deixar a natureza livre. Pelo contrário,
os caráteres fracos, aqueles que não se dominam, odeiam a servidão
do estilo: sentem que se tornariam inevitavelmente vulgares
se
esta amarga opressão lhes fosse imposta: não saberiam servir sem se
tornar escravos, por isso detestam fazê-lo.
Semelhantes
espíritos - e podem ser de primeira ordem - empenham-se sempre em se
dar a si próprios e em dar ao seu meio o ritmo de naturezas livras -
selvagens, arbitrárias, fantasistas, desordenadas e surpreendentes -
ou em interpretar-se como tais: e fazem bem, porque é só assim que
se satisfazem! Uma única coisa é, com efeito, necessária: que o
homem chegue
a
estar contente consigo, qualquer que seja a arte ou a ficção de que
se serve para esse fim: é somente então que ganha uma fisionomia
suportável! Os que estão descontentes consigo próprios estão
sempre prontos a vingar-se: como nós que seremos as suas vítimas,
quanto mais não seja tendo de suportar sempre o seu desagradável
espetáculo. Porque o espetáculo da fealdade torna as pessoas más e
sombrias.”
Friedrich
Nietzsche,
in
A Gaia Ciência
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