quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Escrita política em arte

O que mais desejei fazer nos últimos dez anos foi transformar escrita política em arte. Meu ponto de partida é sempre um sentimento de proselitismo, uma sensação de injustiça. Quando sento para escrever um livro, não digo a mim mesmo: Vou produzir uma obra de arte. Escrevo porque existe uma mentira que pretendo expor, um fato para o qual pretendo chamar a atenção, e minha preocupação inicial é atingir um público. Mas não conseguiria escrever um livro, nem um longo artigo para uma revista, se não fosse também uma experiência estética. Quem se dispuser a examinar meu trabalho perceberá que, mesmo quando é uma clara propaganda, contém muito do que um político de tempo integral consideraria irrelevante. Não sou capaz de abandonar por completo a visão de mundo que adquiri na infância, nem quero. Enquanto viver e estiver com saúde, continuarei a ter um forte apego ao estilo da prosa, a amar a superfície da Terra, a sentir prazer com objetos sólidos e fragmentos de informações inúteis. De nada adianta tentar reprimir esse meu lado. O trabalho é conciliar os gostos e os desgostos arraigados com as atividades essencialmente públicas, não individuais, que esta época impõe a todos nós.
Não é fácil. Suscita problemas de construção e de linguagem e, de uma nova maneira, o problema da veracidade. Darei apenas um exemplo do tipo mais grosseiro de dificuldade que surge. Meu livro sobre a Guerra Civil Espanhola, Homage to Catalonia [Homenagem à Catalunha], é, claro, abertamente político, mas a maior parte dele foi escrita com algum distanciamento e preocupação com a forma. Empenhei-me muito em contar toda a verdade sem violar meus instintos literários. Mas entre outras coisas o livro contém um longo capítulo, repleto de citações de jornais e coisas do gênero, que defende trotskistas acusados de tramar com Franco. Sem dúvida um capítulo assim, que após um ou dois anos perderia o interesse para qualquer leitor comum, deve arruinar o livro. Um crítico que respeito me passou um sermão sobre isso. Por que incluiu todo esse material?, perguntou. Transformou em jornalismo o que poderia ter sido um bom livro. O que ele disse era verdade, mas eu não poderia ter feito de outra maneira. Ocorreu que eu sabia o que poucas pessoas na Inglaterra tiveram a oportunidade de saber: que homens inocentes estavam sendo falsamente acusados. Se não estivesse revoltado com isso, jamais teria escrito o livro.
De um modo ou de outro, esse problema reaparece. O problema da linguagem é mais sutil, e sua discussão seria mais demorada. Direi apenas que nos últimos anos procurei escrever de forma menos pitoresca e com mais exatidão. De qualquer maneira, creio que na hora em que aperfeiçoamos um estilo de escrita sempre o superamos. A revolução dos bichos foi o primeiro livro em que tentei, com plena consciência do que fazia, amalgamar os propósitos político e artístico. Faz sete anos que não escrevo um romance, mas espero escrever outro muito em breve. Será fatalmente um fracasso, todo livro é um fracasso, porém tenho uma clara noção do tipo de livro que pretendo escrever."
George Orwell, in Por que escrevo

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