Ah,
meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou
tantos de vós e agora os que restam se puseram mais tristes;
deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem,
lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão
morrer também e cometer a mesma ingratidão.
Ide
ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai
sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! - porque a Velha andou
solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um
no Tempo e alguns dentre vós - eu próprio, quem sabe? - de tanto
pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para
ela.
Eu
me havia prometido não entrar este ano em curso - quando se comemora
o 19640 aniversário de um judeu que acreditava na Igualdade e na
justiça - de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea
esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão
barato o amor que - pombas! - não há de ser a mim que hão de
chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que
está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na
minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no
uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados
comuns. Sou um crente - e por que não o ser? A fé desentope as
artérias; a descrença é que dá câncer.
Pelo
bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer. Comprai
vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes, e andai à Barra em
vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! - que se for para
engodar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando
peixinhos que não vos fizeram mal algum. Muni-vos também de bons
cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos
besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e
logo renascem mais vivas, relubrificadas pela seiva da terra. Parai
diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios,
e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas
pelo sol da serra. Respirai fundo, três vezes o cheiro dos
eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente
e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos. Tomai então
uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão
de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do
Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais! Não
abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das
massas. Mantende, se tiverdes mais de cinqüenta anos, uma dieta
relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos
domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas,
cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos. Fazei de seis em seis
meses um check-up para ver como andam vossas artérias, vosso
coração, vosso fígado.
E
amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao
exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor. Amai e bebei
uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro,
cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque
nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
Mas
sobretudo não morrais, amigos meus!
Vinicius
de Moraes,
in Para
uma menina com uma flor
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