Rubem Alves conta como se apaixonou pela Escola da Ponte, em Portugal, um lugar único, onde alunos e professores convivem como amigos na fascinante experiência da descoberta.
Vou
contar um caso de amor. Amor à primeira vista. Eu me apaixonei pela
Escola da Ponte. Bastou vê-la para que um passado reverberasse
dentro de mim.
Não
tenho memórias dolorosas do grupo escolar. As coisas a serem
aprendidas eram fáceis e eu as aprendia sem esforço. Mas minha
efervescência intelectual - pois as crianças também têm
efervescências intelectuais - estava em outro lugar: no mundo que
começava quando eu saía da escola.
Eu
me levantava às 5h e me punha a andar pela casa fazendo barulho.
Queria que os adultos dorminhocos despertassem do seu sono para o
mundo maravilhoso que aparecia com a luz do dia. Minha curiosidade me
levou a desmontar o relógio de pulso de minha mãe, o único que ela
tinha. Queria saber como ele funcionava, aquelas engrenagens
fascinantes. Infelizmente, não consegui montá-lo de novo.
No
grupo escolar, nos ensinavam o que o programa mandava: o nome de
serras, Serra da Mata da Corda, do Espinhaço, da Bocaina; o nome de
afluentes de rios distantes, dos quais a única coisa que aprendíamos
eram... os nomes. O que me foi útil no exame de admissão, porque me
perguntaram o nome da segunda maior ilha fluvial do mundo.
Tupinambarana. Eu sabia o nome. Mas ainda hoje, nada sei sobre a
ilha.
Era
tempo da Segunda Guerra Mundial. As batalhas entravam em nossa casa
pelo rádio. “E Stalingrado continua a resistir.” “Aviões
aliados martelaram as posições nazistas no Vale do Pó.” Meu pai
afixou um mapa da Europa na parede e nele íamos seguindo os
movimentos das tropas. A imaginação corria rapidamente e eu me
sentia como um soldado na frente de batalha. O mapa, os países, o
nome das cidades, dos rios, das montanhas - tudo estava vivo para
mim.
Conto
essas coisas da minha vida de menino para dizer que as crianças são
curiosas naturalmente e têm o desejo de aprender. O seu interesse
natural desaparece quando, nas escolas, a sua curiosidade é sufocada
pelos programas impostos pela burocracia governamental. Pela minha
vida tenho estado à procura da escola que daria asas à curiosidade
do menino que fui. Pois, de repente, sem que eu esperasse, eu me
encontrei com a escola dos meus sonhos. E me apaixonei.
Novas
formas de ver
Tudo
começou em 2000, via internet. Comecei a receber e-mails de um
desconhecido de Portugal, Ademar Ferreira dos Santos. Uma brasileira
lhe havia dado um livrinho meu, Estórias de Quem Gosta de Ensinar.
Ele gostou. Sem nos conhecermos pessoalmente, nos descobrimos amigos.
Ele me convidou para ir a Portugal e falar aos professores da
Universidade de Braga e adolescentes de uma escola secundária.
Fui
e fiz. Foi bom. Aí, numa manhã, ele me disse: "Vou levar-te a
conhecer uma escola diferente." "Diferente como?",
perguntei. "Não é possível dizer-te. Tu verás."
Chegamos à escola. Na sua frente havia um pátio arborizado. Lá
estava o diretor, professor José Pacheco. Mais tarde, aprendi que
ele se recusa a ser chamado de diretor, por razões que explicarei
mais tarde.
Minha
expectativa era que o diretor, por um mínimo dever de cortesia,
haveria de levar-me a conhecer a escola. Homem de poucas palavras,
trocamos meia dúzia de banalidades. Vinha passando à nossa frente
uma menina de uns 9 anos. Ele a chamou e disse: "Tu podes
mostrar e explicar a nossa escola ao nosso visitante?" "Pois,
pois", respondeu a menina, sem mostrar nenhuma surpresa. Ato
contínuo, ele me abandonou e fiquei eu à mercê da menina.
Os
primeiros sustos
Eu
nunca tinha tido experiência semelhante e nunca imaginei que fosse
possível que um diretor entregasse a uma aluna, menina de 9 anos, a
tarefa de mostrar e explicar a sua escola a um educador estrangeiro.
A
menina não se fez de rogada. Encaminhou-se resolutamente na direção
da porta da escola e eu, obedientemente, a segui. Chegando à porta,
ela parou, voltou-se para mim e disse em voz resoluta e confiante:
“Para entender a nossa escola, o senhor terá de se esquecer de
tudo o que o senhor sabe sobre escolas. Não temos turmas, não temos
alunos separados por classes, nossos professores não dão aulas com
giz e lousa, não temos campainhas separando o tempo, não temos
provas e notas.”
Foi
o segundo susto. As palavras da menina produziram um vazio na minha
cabeça. Porque as escolas que conheço, mesmo as mais experimentais
e avançadas, têm professores dando aulas, têm turmas, têm salas
de aula que separam as crianças, têm provas e testes, têm notas e
boletins para o controle dos pais.
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