Recebo
outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não
revela sua idade para ninguém, mas nega que já viu o Cometa Halley
passar duas vezes. Só o Pitanguy e Deus sabem a sua verdadeira
idade, e um está aposentado e o outro está quase. Dorinha tem se
reunido com o seu grupo de carteado e pressão política, as
Socialaites Socialistas, que lutam pela implantação no Brasil do
socialismo soviético na sua fase terminal, que é a volta ao
feudalismo (mas esclarecido desta vez, segundo elas). As reuniões
das Socialaites Socialistas também tratam do trabalho social do
grupo. Por exemplo: todas se comprometeram a doar seus botox para
transplante, caso venham a morrer. O assunto predominante nas
reuniões, claro, tem sido os escândalos das empreiteiras. Três do
grupo estão com maridos presos, o que acham ótimo. “Assim pelo
menos a gente sabe onde eles estão dormindo”, diz Suzana (“Su”)
Cata, para inveja das que têm maridos soltos. Mas a preocupação
maior de todas é… Deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua
carta veio escrita com tinta púrpura em papel magenta cheirando a
“Mange Moi”, um perfume proibido pelo Vaticano, mas que, dizem, o
Papa Francisco está prestes a liberar.
“Caríssimo!
Beijos secos, para poupar saliva. Sim, estamos todas empenhadas na
campanha contra o desperdício de água. Senti como o problema é
grave quando fiz uma enquete no grupo e se revelou que todas —
todas! — estão dando banhos nos seus cachorros com água mineral
S. Pellegrino. Menos eu, que lavo a ‘Desirée de Goumont’, meu
poodle (o nome é maior do que ela), com champanhe rosê. A Tatiana
(‘Tati’) Bitati, vice-líder do grupo, abaixo de mim, acha que
devemos começar a pensar num plano D, de dar o fora, se a crise
hídrica piorar muito. Ela propõe o exílio e já se informou sobre
um condomínio em Miami que só recebe brasileiros fugitivos da crise
e tem o nome sugestivo de ‘Bye, bye Brazil’. Nos mudaríamos para
lá até que os reservatórios enchessem de novo ou o país virasse
um imenso Piauí e não houvesse mais razão para voltar. Mas assez
de misère! Como o próximo carnaval periga ser o último
antes do Juízo Final, decidi voltar a desfilar. Sim, estarei de novo
na avenida! Só preciso encontrar meu agogô e meu tapa-sexo. O
tapa-sexo foi visto pela última vez na boca da ‘Desirée de
Goumont’, que brincava com ele distraída, sem se dar conta do
simbolismo da cena. Meu único sentimento é que o Pitanguy não
poderá estar ao meu lado, para ouvir o povo aplaudir meu corpo e
pedir ‘O autor! O autor!’”.
Luís
Fernando Veríssimo
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