O
homem passa por várias fases na sua breve estada neste palco que é
o mundo, segundo Shakespeare, que só foi original porque foi o
primeiro que disse isso. Muitas coisas distinguem uma fase da outra –
a rigidez dos tecidos, o alcance e a elasticidade dos membros, a
energia e o que se faz com ela -, mas o que realmente diferencia os
estágios da experiência humana sobre a Terra é o que o homem, a
cada idade, considera bom mesmo. Não o que ele acha bom – o que
ele acha melhor. Melhor do que tudo. Bom mesmo.
Um
recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa
com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada
um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:
–
Conversa.
Bom mesmo é mãe.
Já
um bebê de mais idade discordaria.
–
Bom
mesmo é papinha.
Depois
de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais
difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por
exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, ou o volume voluptuoso
de uma bola de gude daquelas boas entres os dedos, com o cheiro de
terra úmida ou de caderno novo? Existem gostos exóticos:
–
Bom
mesmo é cheiro de Vick Vaporub.
Mas
acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes
normais e brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que,
nessa fase, bom mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer
xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.
Existe
ainda uma fase, no começo da puberdade, em que a indecisão é de
outra natureza. O cara se acha na obrigação de pensar que bom mesmo
é mulher (no caso prima, que é parecido com mulher), mas no fundo
ainda tem a secreta convicção de que bom mesmo é acordar com febre
na segunda-feira e não precisar ir à aula. Depois, sim, vem a fase
em que não tem conversa:
–
Bom
mesmo é sexo!
Essa
fase dura, para muita gente, até o fim da vida. Mesmo quando sexo
não está em primeiro lugar numa escala de preferências (“Pra mim
é sexo em primeiro e romance policial em segundo, longe”) serve
como referência. Daí para diante, quando alguém disser que “bom
mesmo” é outra coisa que não o sexo estará sendo exemplarmente
honesto ou desconcertantemente original.
–
Olha,
bom mesmo é figada com queijo.
–
Melhor
do que sexo?
–
Bem…
Cada coisa na sua hora.
Há
quem anuncie o que prefere mesmo
como
quem faz uma confissão há muito contida. Abre o jogo e o peito, e
não importa que pensem que o sexo não lhe interessa mais:
–
Pensem
o que quiserem. Pra mim, bom mesmo é discurso de baiano.
E
há casos patéticos. Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que
ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era obrigado a
fazer uma dieta rigorosa. Certa vez, no meio de uma conversa animada
de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele
suspirou fundo e declarou:
–
Vocês
ficam aí dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!
Com
a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se
iguala ao prazer, mesmo teórico, do sexo, as necessidades do
conforto e os pequenos prazeres das coisas práticas vão se impondo.
–
Meu
filho, eu sei que você, aí tão cheio de vida e de entusiasmo, não
pode compreender isso. Mas tome nota do que eu vou dizer porque um
dia você concordará comigo: bom mesmo é escada rolante.
E
assim é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a
Terra, do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à
descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é
igual, é parecida. E que bom, mas bom mesmo,
é não precisar ir a lugar nenhum, mesmo sem febre.
Luís
Fernando Veríssimo,
in Novas
comédias da vida privada
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