quinta-feira, 12 de março de 2015

Percorrer a genealogia de altas misérias mortais


Nem, àquelas alturas, deixou de passar por sua mente monomaníaca que toda a angústia de seu sofrimento fosse consequência direta de um infortúnio anterior; e ele parecia ver com clareza que, como o réptil mais venenoso do pântano perpetua sua espécie tão inevitavelmente quanto o cantor mais doce do bosque; assim também toda a desgraça, como a felicidade, gera naturalmente acontecimentos similares a si. Não exatamente como, pensou Ahab; já que a linhagem e a posteridade da Dor superam as da Alegria. Pois, para que não se subentenda isso: que se pode inferir certos ensinamentos canônicos que alguns deleites naturais deste mundo não gerarão filhos no outro mundo, mas, ao contrário, devido à esterilidade da alegria, serão seguidos de todo o desespero infernal; ao passo que os fatais sofrimentos criminosos gerarão com fertilidade para o além-túmulo uma prole eterna de tristezas sucessivas; para que não se subentenda isso, parece haver uma desigualdade, quando se analisa o assunto com profundidade. Pois, pensou Ahab, se mesmo na felicidade terrena mais elevada sempre existe oculta uma certa mesquinhez insignificante, enquanto, no fundo, todas as dores do coração escondem um significado místico e, em certos homens, uma grandeza angelical; assim, sua análise diligente não desmente a dedução óbvia. Percorrer a genealogia dessas altas misérias mortais nos conduz afinal às primogenituras sem origens dos deuses; de modo que, diante de todos os alegres sóis fecundos e das rotundas luas outonais, iluminando o suave farfalhar da colheita, é necessário dar-se conta disso: de que os próprios deuses nem sempre são felizes. O sinal de nascença, triste e indefectível na fronte do homem, é apenas a marca da tristeza dos que a imprimiram.”
Herman Melville, in Moby Dick

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