Uns sapos
ficavam coaxando no riachinho nos momentos mais inoportunos, interrompendo
minhas meditações como se fosse de propósito; uma vez, um sapo coaxou três
vezes bem ao meio-dia e ficou quieto o resto da tarde, como se estivesse
manifestando os Três Veículos. Dessa vez meu sapo coaxou uma vez só. Senti que
era um sinal indicando o Veículo Primeiro da Compaixão e retomei determinado a
deixar para lá a coisa toda, até a pena que eu sentia do cachorro. Que sonho
triste e inútil. Mais uma vez no bosque, naquela noite, manuseando minhas
contas de oração, fiz rezas estranhas como estas: “Meu orgulho está ferido,
isso é o vazio; meu negócio é com o Darma, isso é o vazio; tenho orgulho da
minha bondade para com os animais, isso é o vazio; minha concepção sobre a
corrente, isso é o vazio; a pena de Ananda, até isso é o vazio”. Se houvesse
algum mestre zen em cena, talvez ele tivesse ido até o cão acorrentado e o
chutado, para dar a todos um repentino golpe de despertar. Minha dor estava
mesmo em me livrar da concepção sobre as pessoas e os cachorros, e sobre mim
mesmo. “Estava profundamente magoado com aquele negócio triste de tentar negar
o que era. De qualquer modo, era um draminha comovente em um domingo de
interior: “Raymond não quer que o cachorro fique acorrentado”. Mas então de
repente, sob aquela árvore à noite, tive uma ideia surpreendente: “Tudo é o
vazio mas tudo está desperto! As coisas são o vazio no espaço e no tempo e na
mente”.
Jack Kerouac, in Os vagabundos iluminados
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