Há uma história do escritor Franz
Kafka (1883-1924), famoso por “A Metamorfose“, “O Processo” e “Carta ao
Pai“, que mostra um singelo e doce lado do autor que já foi descrito como
esquizóide, depressivo e anoréxico nervoso:uma história de amor em que ele
ajuda uma menina desolada pela perda de uma boneca em uma praça de Berlim.
A história tem algumas versões e abaixo seguem duas delas (traduzidas para o
português): a primeira da terapeuta americana May Benatar, que ouviu da
psicóloga e instrutora de meditação budista Tara Brach, publicada no site
The Huffington Post, e a segunda do renomado tradutor de Kafka, Mark
Harman, como foi publicado no site The Kafka Project. “Para mim essa
história traz duas sábias lições: a primeira que tristeza e a perda são
presentes mesmo para uma pequena criança, e a outra que o caminho para a cura é
ver como o amor volta em outra forma”, diz May Benatar, cuja narrativa segue
abaixo.
A história de Kafka e a menina
que perdeu sua boneca em Berlim, segundo May Benatar:
“Franz
Kafka, conta a história, certa vez encontrou uma menininha no parque onde ele
caminhava diariamente. Ela estava chorando. Tinha perdido sua boneca e estava
desolada. Kafka ofereceu ajuda para procurar pela boneca e combinou um encontro
com a menina no dia seguinte no mesmo lugar. Incapaz de encontrar a boneca, ele
escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu para a garotinha quando se
encontraram. “Por favor, não se lamente por mim, parti numa viagem para ver o
mundo. Escreveu para você das minhas aventuras”. Esse foi o início de
muitas cartas. Quando ele e a garotinha se encontravam ele lia essas cartas
compostas cuidadosamente com as aventuras imaginadas da amada boneca. A
garotinha se confortava. Quando os encontros chegaram ao fim, Kafka presenteou
a menina com uma boneca. Ela era obviamente diferente da boneca original. Uma
carta anexa explicava: “minhas viagens me transformaram…”. Muitos anos
depois, a garota agora crescida encontrou uma carta enfiada numa abertura
escondida da querida boneca substituta. Em resumo, dizia: “Tudo que você ama,
você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma
diferente.”
May Benatar, no artigo Kafka and the Doll: The Pervasiveness of
Loss
E a
versão da história de Kafka e a menina que perdeu sua boneca em Berlim, segundo
Mark Harman, que acrescenta detalhes como o tempo que durou a troca de cartas e
os detalhes do desfecho:
A estada
de Kafka na cidade (Berlin) não foi totalmente sombria; daí o primeiro dos
meus dois pequenos enigmas – uma história sobre Kafka e uma menina em Steglitz.
Dora Diamant conta-a ao crítico francês e tradutor Marthe Robert, e, em uma
versão um pouco diferente, a Max Brod. Enquanto caminhava certo dia em
Steglitz, Kafka e Dora conheceram uma menina em um parque que chorava porque
havia perdido sua boneca. Kafka disse a ela para não se preocupar porque a
boneca tinha partido em uma viagem e lhe enviara uma carta. Quando a menina
perguntou desconfiada pela carta, ele disse que não estava com ele, mas que se
ela voltasse no dia seguinte ele iria trazê-la. Fiel à sua palavra, todos os
dias durante as próximas três semanas, ele foi ao parque com uma nova carta da
boneca. Dora Diamant enfatiza o cuidado que ele dedicou a esta tarefa
auto-imposta, que era do mesmo grau que o que ele dedicava à sua outra obra
literária. Ela também comenta a dificuldade de Kafka em chegar a um final que
iria deixá-lo livre e ao mesmo tempo com uma conclusão razoavelmente
satisfatória, para a menina. Na versão que Dora contou a Marthe Robert, Kafka
conseguiu isso fazendo a boneca ficar noiva: “Ele (Kafka) pesquisou por um
longo tempo e, finalmente, decidiu que a boneca ia se casar. Primeiro ele descreveu
o jovem, o noivado, os preparativos para o casamento, em seguida, em grande
detalhe, a casa dos recém-casados”. Por causa desses “preparativos do
casamento” em andamento, uma palavra que lembra o título de uma de suas
primeiras histórias e sugere o grau de autobiografia fictícia que se engendrou
neste envolvente conto – a boneca não poderia mais, compreensivelmente, visitar
sua ex-dona. Max Brod não menciona esse final, mas escreve que antes de sair de
Berlim para Praga, Kafka se certificou que a menina recebera o presente de uma
nova boneca. Esta é, naturalmente, apenas uma discrepância menor e não diminui
a credibilidade desta história, que revela um Kifka gentil, atencioso e
compreensivo, que não é tão amplamente conhecido como o introvertido e
auto-atormentando de “A Metamorfose” e “Um Artista da Fome”.
Mark Harman, in Missing Persons: Two Little Riddles About Kafka and Berlin
Fonte: dharmalog.com
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