Moradores
de Copacabana, comprai vossos peixes na Peixaria Bolívar, Rua Bolívar, 70, de
propriedade do Sr. Francisco Mandarino. Porque eis que ele é um homem de bem.
O caso
foi que lhe mandaram uma tartaruga de cerca de cento e cinquenta quilos, dois
metros e (dizem) duzentos anos, a qual ele expôs em sua peixaria durante três
dias e não quis vender; e levou até a praia, e a soltou no mar.
Havia
um poeta dormindo dentro do comerciante, e ele reverenciou a vida e a liberdade
na imagem de uma tartaruga.
Nunca
mateis a tartaruga.
Uma
vez, na casa de meu pai, nós matamos uma tartaruga. Era uma grande, velha
tartaruga-do-mar que um compadre pescador nos mandara para Cachoeiro.
Juntam-se
homens para matar uma tartaruga, e ela resiste horas. Cortam-lhe a cabeça, ela
continua a bater as nadadeiras. Arrancam-lhe o coração, ele continua a pulsar.
A vida entranhada nos seus tecidos com uma teimosia que inspira respeito e
medo. Um pedaço de carne cortado, jogado ao chão, treme sozinho, de súbito. Sua
agonia é horrível e insistente como um pesadelo.
De
repente os homens para e se entreolham, com o vago sentimento de estar
cometendo um crime.
Moradores
de Copacabana, comprai vossos peixes na Peixaria Bolívar, de Francisco
Mandarino, porque nele, em um momento belo de sua vida vulgar, o poeta venceu o
comerciante. Porque ele não matou a tartaruga.
Rubem Braga, Rio,
julho de 1959
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