No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes,
semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem
deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.
O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o
mais comum, o menos surpreendente em ideias e práticas. Os habitantes afluíam
todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam
todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura,
eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de
vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo.
Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna
dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não
enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada
pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de
conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim
tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande
cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de
inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital
do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!
Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância
alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que
até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus
concidadãos.
Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um
defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil,
mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar
providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na
maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos
outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant
terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com
convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante.
Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a
família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se
porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os
transeuntes, vendo-o passar, sorriam.
Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada
a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era
escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos
maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e
corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas
doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida
inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.
Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os
tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado
público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os
interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente
democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para
cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor,
diante da evidência, negou-se.
- Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não
estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao
lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.
- Mas não quero ser nada disso.
- Então quer ser vagabundo?
- Quero trabalhar.
- Vem dar na mesma
coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e
posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando - é vagabundo.
Conto completo aqui.
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