“O instinto é simpatia. Se esta simpatia pudesse
alargar o seu objeto e também refletir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das
operações vitais - do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada,
nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o
instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria
inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua,
desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da
vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em
termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões
do objeto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da
vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado
desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de refletir sobre o seu objeto e
de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste gênero não é impossível, é o
que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da
percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos
uns aos outros, e não organizados entre si. Escapa-lhe a intenção da vida, o
movimento simples que corre através das linhas, que as liga umas às outras e
lhes dá uma significação. É dessa intenção que o artista pretende apossar-se,
situando-se no interior do objeto por uma espécie de simpatia, baixando, por um
esforço da intuição, a barreira que o espaço interpõe entre ele e o modelo. É
verdade que esta situação estética, como, de resto, a percepção exterior,
alcança apenas o individual. Mas é possível conceber uma pesquisa orientada no
mesmo sentido da arte e que tivesse por objeto a vida em geral, do mesmo modo
que a ciência física, seguindo até ao fim o rumo assinalado pela percepção
exterior, prolonga em leis gerais os factos individuais.
Decerto esta
filosofia jamais alcançará do seu objeto um conhecimento comparável ao que a
ciência tem do seu. A inteligência continua a ser o núcleo luminoso em torno do
qual o instinto, mesmo alargado e depurado em intuição, é apenas uma vaga
nebulosidade. Mas, em vez do conhecimento propriamente dito, reservado à pura
inteligência, a intuição poderá fazer-nos apreender o que os dados da
inteligência têm aqui de insuficiente e deixar-nos entrever o meio de os
completar. (...) Pela comunicação simpática que estabelecerá entre nós e o
resto dos vivos, pela dilatação que obtiver da nossa consciência,
introduzir-nos-á no domínio próprio da vida, que é compenetração recíproca,
criação indefinidamente continuada.”
Henri Bergson, in A Evolução Criadora
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