sábado, 9 de março de 2013

A humildade genial de Tom Zé

Fotos Guilherme Athaide/Rev.OGrito!
“Trocava tudo que eu fiz por ‘Ai se eu te pego”, disse o músico durante sua pri­meira apresen­ta­ção ins­tru­men­tal

O cená­rio sim­ples que com­pu­nha o palco podia ser visto como uma pequena metá­fora do que esta­ria por vir. No fundo, uma cor­tina escura deli­mi­tava o espaço dos músi­cos, uma espé­cie de parede com­posta de vari­a­das for­mas, como ele­men­tos urba­nos e ins­tru­men­tos musi­cais, todas cola­das e bor­da­das sobre o pano preto. Era um mosaico no qual um feixe de luz branco em cír­culo na região cen­tral repre­sen­tava algo que pode­ria ser uma lua. Mas o que impor­tava e cha­mava aten­ção era o mosaico na “parede”. Talvez a melhor repre­sen­ta­ção grá­fica de Tom Zé – um mosaico cultural.
Ao entrar no palco, o músico dei­xou seus 76 anos de idade em algum lugar bem longe do Sesc Consolação, em São Paulo. Pulando e se diri­gindo à pla­teia, cha­mou ao seu lado cada um os músi­cos que o acom­pa­nhava: Daniel Maia (gui­tarra), Jarbas Mariz (ban­do­lim, viola 12 cor­das e per­cus­são), Cristina Carneiro (tecla­dos) Felipe Alves (con­tra­baixo) e Rogério Bastos (bate­ria). O espe­tá­culo foi mar­cado pela inqui­e­tude do músico, ges­ti­cu­lando muito enquanto con­ver­sava com a pla­teia ao mesmo tempo em que se diri­gia para sua banda e falava fora do micro­fone vol­tando o rosto para a pla­teia se des­cul­pando por falar fora do micro­fone ao passo que o reti­rava do pedes­tal para poder andar pelo palco para diva­gar na ten­ta­tiva de recor­dar qual pala­vra seria mais cer­teira para ter­mi­nar a frase que falava.
Parte do pro­jeto Instrumental Sesc Brasil, o show teve trans­mis­são ao vivo pela inter­net e foi gra­vado pela SescTV. Numa mis­tura de iro­nia e pres­ta­ção de ser­vi­ços, Tom Zé pre­ce­dia cada música dizendo seu título, opor­tu­ni­dade para diver­tir o público. “Pessoal da TV, fique esperto que essa é ‘Ave Dor Maria’. Ponham aí nas letri­nhas para o pes­soal de casa”, disse antes de come­çar a tocar a pri­meira música da noite. Em outro momento, arran­cou gar­ga­lha­das da pla­teia ao dizer que a música que apre­sen­ta­ria era “daquele disco com o cu na capa”, referindo-se ao álbum Todos os Olhos (1973).
Tom Zé só se posi­ci­o­na­ria no cen­tro do palco na segunda metade do show. Até esse momento, o músico apresentou-se sen­tado ao lado de sua banda, dis­pos­tos num semi­cír­culo que pri­vi­le­gi­ava o con­junto em si, não ape­nas o can­tor. Talvez um traço da “humil­dade gran­di­osa” que ele cita­ria mais tarde naquela noite.

Em parte do show, Tom Zé ficou em um semi-círculo que privilegiava a banda como um todo (Fotos Guilherme Athaide)
Em parte do show, Tom Zé ficou em um semi-círculo que pri­vi­le­gi­ava a banda como um todo

Mosaico Instrumental

Todo o reper­tó­rio era de can­ções repen­sa­das para serem apre­sen­ta­das ape­nas na forma ins­tru­men­tal, sem a voz de Tom Zé. Segundo ele, foi um grande desa­fio “arqui­te­tar” o show, já que era a pri­meira vez em sua car­reira em que rea­li­zava esse tipo de apre­sen­ta­ção. Por outro lado, a música ins­tru­men­tal foi “uma des­co­berta de pra­zer para a banda”, segundo ele mesmo. Mas a moti­va­ção para o show foi sim­ples: “Lá em dezem­bro os músi­cos me fala­ram para acei­tar qual­quer show que apa­re­cesse no começo de janeiro para pagar as con­tas do fim de ano”.
Na segunda can­ção apre­sen­tada, o mosaico de Tom Zé já estava aberto e mara­vi­lhava a pla­teia. “Pisa na Fulô”, com­po­si­ção de João do Vale, ganhou ins­tru­men­ta­ção de jazz, sem dei­xar a tra­di­ção nor­des­tina de lado. Foi uma mes­cla inte­res­sante e a parte curi­osa ficou por conta do pequeno ins­tru­mento ama­relo que Tom Zé soprava, sol­tando um som pare­cido com o baru­lho de patos.
Foi difí­cil para mui­tos da pla­teia per­ma­ne­ce­rem sen­ta­dos quando o tri­ân­gulo de Jarbas Mariz come­çou a tinir e a tecla­dista Cristina Carneiro trans­for­mou o som de suas teclas numa san­fona no arranjo ins­tru­men­tal de “Xique-Xique”, “que é um sucesso em casa de forró”, como acer­tou Tom Zé. A tecla­dista ainda pro­ta­go­ni­zou um dos momen­tos mais boni­tos do show ao tocar “Assum Branco” num solo de piano.
Outro solo curi­oso foi o do bate­rista Rogério Bastos. Ele se movi­men­tava para tocar o ins­tru­mento, mas não encos­tava as baque­tas na bate­ria. Os sons dos pra­tos, bumbo e cai­xas eram todos simu­la­dos oral­mente por Bastos. Um solo de bate­ria sem tocar bate­ria. Quando falou sobre os músi­cos, Tom Zé fez ques­tão de dizer que não se tra­tava de uma banda, mas de um grupo. Além disso, falou que quando foram tocar com ele tive­ram que ter humil­dade. “Mas humil­dade não é abai­xar a cabeça e acei­tar tudo. Humildade é grandeza”.
Guilherme Athaide, in www.revistaogrito.net10.uol.com.br

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