“Para
formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma,
pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal
como objetos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio
quando os vemos metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas
o modo como o vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a
verdade!
Indica-me um jovem ainda incorrupto e de
espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de
suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros, o homem capaz de
alçar-se acima da fortuna. Não é proeza nenhuma manter a calma quando a
situação é tranquila; é admirável, pelo contrário, conservar o ânimo quando
todos se deixam abater, mantermo-nos em pé quando todos jazem por terra. O que
há de mal na tortura e em tudo o mais a que damos o nome de ‘adversidade’? Apenas
isto, segundo penso: o fato de nos abaixar, abater, humilhar o espírito. Ora,
nada disto pode suceder ao homem sábio, o qual se mantém vertical seja qual for
o peso sobre os seus ombros. A um tal homem, coisa alguma deste mundo pode
humilhar; um tal homem a nada do que é inevitável se recusa. O sábio não se
lamenta se lhe acontecer algo daquilo a que a condição humana está sujeita.
Conhece as próprias forças, sabe que não vergará sob o peso. Com isto eu não
estou a colocar o sábio à parte do comum dos homens nem a julgá-lo inacessível
à dor como se de um penedo inacessível se tratasse. Apenas recordo que o sábio
é composto de duas partes: uma é irracional, e sensível, portanto, às feridas,
às chamas, à dor; a outra é racional, dotada de convicções inabaláveis,
inacessível ao medo, indomável. É nesta parte que reside o bem supremo para o
homem. Enquanto o seu bem próprio ainda está por preencher, o espírito do homem
pode resvalar na incerteza, mas desde o momento em que atinge a perfeição
adquire para sempre a estabilidade total.”
Sêneca, in Cartas
a Lucílio
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