Eu nunca tinha visto Carlos Drummond de Andrade. Eu o amava, mas nunca o
tinha visto. Meus amigos, todos eles já o tinham visto e alguns eram seus
amigos. Uma vez lhe telefonei pedindo licença para musicar uns versos seus;
licença que ele me deu correndo, encurtando a conversa. Depois, quando estive
mais doente, lendo seu livro de crônicas A bolsa ou a vida, porque
suas crônicas me fizeram prazer ou, simplesmente, porque eu estava doente,
mandei-lhe um bilhete contendo meu carinho, onde, é bem possível, havia,
houvesse - discretamente, disfarçadamente – as minhas despedidas. Sei lá, tudo
o que eu dizia naqueles tempos era adeus.
Mas domingo, de tarde, eu passava por Ipanema, quando vi Carlos Drummond
de Andrade! Ia pela calçada da praia, andava, parava, andava de novo, com uma
pressa enorme de não sair do lugar. Parei meu carro, apeei-me e caminhei até
ele, estendendo-lhe a mão.
- Eu sou Antonio Maria e tinha uma vontade enorme de conhecê-lo... (fui
por aí, feliz e humildemente).
O poeta, como todos os homens decentes, ficou muito encabulado. Mas eu
entendo como é aflitivo conhecer mais uma pessoa. Ser conhecido por mais uma
pessoa. A vida tem um dia em que a gente diz: “Chega, vou parar aqui. Mesmo que
seja no prejuízo”. E não compra o segundo “cacife”. Ademais, a minha humildade
era ameaçadora. Drummond tinha todo o direito de imaginar: Ihhh!... esse homem
é capaz de se meter em minha casa. Quem sabe, um dia irá me telefonar, ihhh!...
A minha presença é, em si, desagradável. Eu seria, pela aparência, o
homem que se meteria em casa de Drummond e lhe perguntaria com a mais ingênua
agressividade:
- Drummond, entre Verlaine
e Rimbaud?
Ou então:
- Drummond, você acha que o Vinícius de Moraes já foi mais Vinícius de
Moraes?
E, quem sabe, eu perguntasse:
- E se você fosse à Lua e pudesse levar três pessoas, que pessoas você
escolheria? Olha, a família não vale, Drummond!
O poeta Drummond é o homem que se porta com perfeição no primeiro
encontro. Timidamente, com aquela cara de quem deseja, com toda razão, que seja
o primeiro e o último. Drummond, como toda pessoa psicologicamente equilibrada,
acha que todo primeiro encontro deveria ser o último.
Que maravilha haver ainda gente que se dê ao respeito! Não sei de
ninguém que se dê tanto ao respeito quanto Carlos Drummond de Andrade! Com a
mulher, os filhos, os netos pode (e deve) ser um tarado. Mas as outras pessoas,
os intrusos, os aparteadores de suas caminhadas pela praia, com esses, todo
retraimento é pouco.
Quanto a mim, ganhei meu dia. A frase tem que ser
esta, desculpe. Ganhei meu dia! Tome um abraço.
Antonio
Maria, in Crônicas de Antonio Maria
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