Elomar
... Das barrancas do Rio Gavião (1973)
Dos
cafundó do Judá meu sinhô, surgiu um cantadô que veio falá das beleza do meu
sertão in frô e das mazela do sertanejo sofredô. Sinceramente eu não vejo outra
maneira de iniciar estas pequenas linhas para falar sobre a caatinga da Bahia e
de seu mais valoroso intérprete, o cidadão Elomar Figueira de Melo. Quem
conhece o Estado da Bahia sabe muito bem que a cultura que impera e é exportada
é aquela parida na capital e no recôncavo, mas ocorre que são poucos os que se
debruçam sobre as várias Bahias, que é desconhecida inclusive por muitos de
seus habitantes e do resto do país. Este Estado singular e plural demonstra sua
força criativa e a pujança de sua cultura nas diversas manifestações
representadas por sua população interiorana, muitas ainda conservando tradições
seculares. E é justamente esta representação que brota do talento criador deste
catingueiro, oriundo das terras de Vitória de Conquista, vindo ao mundo no dia
de Nosso Senhor Jesus Cristo de 21 de dezembro de 1937.
Moço
danado, saiu de sua terra e foi fazer a vida na capital, depois de ter-se
envolvido com violas e violeiros de seu chão, ouvindo estórias que iriam
carregar seu imaginário e que se transformariam em lindas poesias musicadas
anos mais tarde. Mas antes que a música viesse a se tornar em seu elemento
principal de sobrevivência, o catingueiro viu e venceu na cidade grande,
formando-se em Arquitetura na conceituada Universidade Federal da Bahia.
Parabéns! E agora o que fazer com o diploma, se a viola falava mais alto, e em
vez de cálculos estruturais o que ele queria mesmo era papel, lápis, uma pauta
e escrever suas lindas melodias? É o fim! Acabou-se a carreira de Arquiteto,
pois entre a prancheta e a viola ele preferiu a última, para alegria e contentamento
do seu povo e da cultura brasileira.
O
caminho foi árduo, pois nem todos estavam preparados para ouvir e captar a sua
mensagem, afinal de contas, com quem ficou as reminiscências de nossas
tradições ibéricas, e quem se preocupou em representá-las como um dos elos mais
fortes de nossa formação enquanto povo desde os tempos coloniais! Muitos dirão!
Ora isso é coisa para os livros, eu quero mesmo é saber de minha música e
poesia urbana, esta sim me representa e me faz ser reconhecido, afinal a Bahia
é ou não é a mistura do samba de roda com acarajé e abará tropicalista? Pois
quando todo mundo pensava que era somente isso, surge em 1973 um disco que foge
aos padrões tradicionais da nobre e elevada cultura baiana. Das Barrancas do
Rio Gavião, esse é o seu nome e seu autor é o mesmo catingueiro, ex-arquiteto e
agora o artista ibérico/baiano/medieval Elomar Figueira de Melo.
Este
é o marco da transformação da Bahia de volta as suas mais remotas tradições já
tão esquecidas, vamos fazer uma revisão da nossa história, olhar em torno,
descobrir-nos. E foi assim que aconteceu, porém a visibilidade não foi
imediata, o sucesso não ocorreu logo, mas um baiano por adoção, vislumbrou a
revolução que iria se projetar sobre as terras da Bahia, logo ele que viveu
entre uísques nos mais badalados lugares deste planeta, com as mais lindas
mulheres, com pose de intelectual Zona Sul Carioca, logo ele, Vinicius de
Moraes, escreve a contra capa do LP de Elomar, dando-lhe as boas vindas. O
poetinha sabia das coisas! E o violeiro pede passagem, conta sua história e
chega pra ficar!
O
disco nos traz doze canções hoje clássicas do repertório sertanejo baiano e
nacional, como O violeiro que abre o LP e onde o cantador se apresenta servindo
inclusive de cartão de visita do próprio artista e de sua proposta musical.
Retirada é outro momento mágico, e que narra a saga dos fugitivos da seca em
busca de uma sobrevivência menos penosa, fez muito sucesso e foi incluída na
trilha sonora da novela global Gabriela, inspirada no romance de Jorge Amado.
Revolucionário, enquanto proposta musical, este disco de Elomar inaugura um
capítulo importante da música popular brasileira porque nos revela paisagens,
situações, linguajar e um modus vivendi desconhecido da grande maioria de nosso
povo que via no estereótipo do sertanejo apenas a figura do vaqueiro e do
cangaceiro, símbolos de um imaginário reconstruído e contextualizado na sua
inteireza e crueza por Elomar.
A
partir também dessa obra ele proporciona o surgimento de uma nova escola
musical em que o sertão será o tema principal, porém, reinventado nas vozes dos
inúmeros cantadores que ouviram e tiveram e ainda têm em Elomar seu grande
mestre, que o diga Xangai, Dércio Marques, Fábio Paes e muitos outros.
Por inaugurar um novo rumo e um novo
olhar sobre o homem do interior e revelar em sua pureza e integridade um Brasil
profundo pouco conhecido, este disco de Elomar se insere entre os mais
importantes trabalhos da história da música popular brasileira, marco de um
tempo e de uma redescoberta de nós mesmos e de nossa ancestralidade. Nele esta
o Brasil que precisamos conhecer, admirar e redimir!
Luiz
Américo Lisboa Junior,
in www.luizamerico.com.br
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