sábado, 15 de dezembro de 2012

Sobre a gula

“Paupérrimos aqueles cujo paladar não se excita senão perante alimentos preciosos: preciosos não por algum excelente sabor ou doçura da gula, mas pela raridade e dificuldade de encontrá-los! Caso contrário, se readquirissem o bom senso, que necessidade haveria de tantas fadigas gastas em servir o ventre, de iguarias de países longínquos, e de despovoar e de sondar abismos? Espalhados fazem os alimentos, que a natureza pôs por toda parte; mas eles, como cegos, os relaxam e percorrem todas as regiões e atravessam os mares para estimular a grande preço a fome, que com pouco poderiam satisfazer. Teríamos vontade de lhes dizer: ‘Para que fazeis descer ao mar os navios? Para que armais as mãos contra as feras e contra os homens? Para que correis aqui e acolá afanosamente? Para que acumulais riquezas sobre riquezas? Não quereis refletir quão pequenos vossos corpos? Não vos parece uma loucura, até a mais solene das loucuras, desejar muito, quando o vosso corpo pode conter tão pouco? Podereis aumentar vosso patrimônio, levar mais longe os confins do império, não dilatar vossos corpos. Quando vossas compras tenham saído perfeitamente, e vossos soldados vos tenham trazido preciosos manjares, e esses manjares de todas as partes da Terra sejam recolhidos, não tereis onde pôr vossos banquetes. Para que procurais tantas coisas? Na verdade, eram infelizes vossos antepassados (sobre cuja virtude se baseiam ainda hoje vossos vícios) que preparavam a comida com suas próprias mãos, dormiam no chão e tinham casas ainda não resplandecentes de ouro e templos ainda não reluzentes de pedras preciosas; e juravam religiosamente sobre divindades feitas de argila; e aqueles que a essas divindades tinham implorados, embora certos de morrer, para não faltar à fé jurada, voltavam para o inimigo!’”
Sêneca, in Consolação a minha mãe Hélvia

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