“Todos
os homens são proprietários, mas na realidade nenhum possui. Não são
proprietários apenas porque até o último dos pedintes tem sempre alguma coisa
além do que traz em cima, mas porque cada um de nós é, a seu modo, um
capitalista.
Além
dos proprietários de terras, de mercadorias, de máquinas e de dinheiro,
existem, ainda mais numerosos, os proprietários de capitais pessoais, que se
podem alugar, vender ou fazer frutificar como os outros. São os proprietários e
locadores de força física - camponeses, operários, soldados - e proprietários e
prestadores de forças intelectuais - médicos, engenheiros, professores,
escritores, burocratas, artistas, cientistas. Quem aluga os seus músculos, o
seu saber ou o seu engenho obtém um rendimento, que pressupõe um patrimônio.
Um
demagogo ou um dirigente de partido pode viver pobremente, mas se milhões de
homens estão dispostos a obedecer a uma palavra sua, é, na realidade, um
capitalista, que, em vez de possuir milhões de liras, possui milhões de
vontades. O talento visual de um pintor, a eloquência de um advogado, o
espírito inventivo de um mecânico são verdadeiros capitais e medem-se pelo
preço que deve pagar, para obter os seus produtos, quem não os possui e carece
deles. E não existe ninguém, a menos que seja paralítico ou néscio, que não
possua uma porção de capitais da segunda espécie, ainda que seja a sua
capacidade de trabalho físico, vendível, como qualquer outro bem, com um
contrato verdadeiro e apropriado.
Dir-se-á
que os possuidores dos capitais pessoais são forçados, para viver, a cedê-los,
dia a dia, aos capitalistas que dispõem dos bens visíveis e estão, por isso, ao
seu serviço. Mas essa dependência, para quem vê claro, é recíproca: um
proprietário de terras, mesmo que possua meio país, é como se não tivesse nada,
se não encontra camponeses que façam frutificar os seus latifúndios; o grande
fabricante tem de vender como sucata as suas excelentes máquinas, se não conta
com operários que as façam funcionar e produzir lucros; o político está às
ordens do especulador, mas este não poderá efetuar os seus negócios, se não
dominar, por meio daquele, a opinião pública e o Estado; e se médicos,
advogados e professores não poderiam viver sem doentes, culpados e ignorantes,
é igualmente verdade que os segundos, em determinados momentos, não podem
prescindir dos primeiros. Até o aleijado, o cego e o leproso obtêm um certo
rendimento das suas muletas, da sua escuridão e das suas chagas.
Por conseguinte, aqueles a que os instigadores
da plebe chamam ‘possuidores de nada’, ‘destituídos’ ou ‘deserdados’ não
existem.’
Giovanni
Papini, in Relatório Sobre os Homens
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