Recusado em 1936 pela "New
Yorker", que o considerou muito fantástico e diferente do estilo de Scott,
este conto foi publicado pela primeira vez na edição de 1º de agosto da
revista.
Agora, chega ao leitor
brasileiro pelas mãos de Vanessa Barbara, tradutora de "O Grande
Gatsby".
Aos 40 anos, a
sra. Hanson era uma mulher bonita, mas um tanto apagada, que vendia espartilhos
e cintas em viagens de negócios fora de Chicago. Por muitos anos seu território
havia oscilado entre Toledo, Lima, Springfield, Columbus, Indianápolis e Fort Wayne,
portanto a transferência para a região de Iowa"Kansas"Missouri fora
uma promoção, já que a empresa estava mais fortemente estabelecida a oeste de
Ohio.
No leste, ela
conhecia pessoalmente a clientela e sempre tomava um drinque ou fumava um
cigarro no escritório dos compradores, depois de concluídos os negócios. Mas
logo descobriu que, na nova área, as coisas eram diferentes. Não só deixavam de
lhe perguntar se ela desejava fumar como, em várias ocasiões, quando ela mesma
indagou se alguém se importaria caso acendesse um cigarro, a resposta veio
compungida: "Não é que eu me importe, mas seria um péssimo exemplo para os
empregados".
"Ah, claro,
eu entendo."
Às vezes, fumar
era importante para a sra. Hanson. Ela trabalhava muito e era um jeito de
fazê-la descansar e relaxar psicologicamente. Era viúva e não tinha nenhum
parente próximo para quem escrever à noite, e assistir a mais de um filme por
semana prejudicava seus olhos, de modo que fumar tornou-se um importante sinal
de pontuação na comprida sentença de um dia na estrada.
Na última semana de sua primeira viagem pelo novo território, ela foi parar em Kansas City. Era meados de agosto e estava se sentindo sozinha entre seus novos contatos, portanto foi com alegria que encontrou, na recepção de uma das empresas, uma mulher que havia conhecido em Chicago. A Sra. Hanson sentou-se enquanto aguardava ser anunciada e, conversando, descobriu um pouco sobre o homem com quem iria se encontrar.
Na última semana de sua primeira viagem pelo novo território, ela foi parar em Kansas City. Era meados de agosto e estava se sentindo sozinha entre seus novos contatos, portanto foi com alegria que encontrou, na recepção de uma das empresas, uma mulher que havia conhecido em Chicago. A Sra. Hanson sentou-se enquanto aguardava ser anunciada e, conversando, descobriu um pouco sobre o homem com quem iria se encontrar.
"Ele se
importaria se eu fumasse?"
"O quê? Meu
Deus, sim!", a amiga afirmou. "Ele deu dinheiro para financiar a lei
contra o fumo."
"Ah. Bem,
obrigada pelo conselho "" obrigada mesmo."
"É bom você
tomar cuidado por aqui", a amiga acrescentou. "Principalmente com os
maiores de 50 anos. Os que não estiveram na guerra. Um homem me disse que quem
participou da guerra nunca faria objeção a um fumante."
Porém, em sua
parada seguinte, a sra. Hanson topou com uma exceção. Ele parecia um jovem
muito agradável, mas tinha os olhos fixos no cigarro que ela segurava entre os
dedos, tanto que ela se viu obrigada a apagá-lo. Foi recompensada quando ele a
convidou para almoçar e, ao longo do período, efetuou uma compra de valor
substancial.
Depois disso, ele
insistiu em lhe dar carona até o compromisso seguinte, embora ela tivesse a
intenção de procurar um hotel nas redondezas e dar umas tragadas no banheiro.
Foi um desses
dias repletos de espera - todos estavam ocupados ou atrasados e, quando os
clientes chegavam a aparecer, eram homens de rosto duro que não toleravam a
autocomplacência alheia, ou então mulheres consciente ou inconscientemente
comprometidas com as ideias desses homens.
A sra. Hanson não
acendia um cigarro desde o café da manhã e de repente percebeu que era por isso
que sentia uma vaga insatisfação ao fim de cada reunião, não importando o
quanto havia sido bem-sucedida financeiramente.
Ela dizia:
"Acho que cobrimos um mercado diferente. É tudo entretela e látex, claro,
mas nós realmente conseguimos juntá-los de um modo diferente. O aumento de 30
por cento nas vendas deste ano fala por si só".
Mas pensava
consigo mesma: Se ao menos eu pudesse dar três tragadas, conseguiria vender até
aqueles corpetes antiquados com barbatanas.
Só havia mais uma
loja para visitar, porém o compromisso estava marcado para dali a meia hora.
Daria tempo de passar no hotel, mas, sem nenhum táxi à vista, ela caminhou pela
rua, pensando: "Talvez eu deva parar de fumar. Estou ficando
viciada".
À sua frente havia
uma catedral católica. Parecia muito alta, e de repente ela teve uma ideia: se
tantas nuvens de incenso haviam subido em espirais até chegar a Deus, um pouco
de fumaça no vestíbulo não faria a menor diferença. Por que é que o Altíssimo
iria se importar com uma mulher exausta dando umas baforadas no vestíbulo?
Contudo, ainda
que não fosse católica, o pensamento a incomodou. Fumar era tão importante
assim, mesmo correndo o risco de ofender tanta gente?
E ainda assim.
Ele não se importaria, pensou com persistência. Na época Dele, ainda não haviam
descoberto o tabaco...
A Sra. Hanson
entrou na igreja; o vestíbulo estava escuro e ela procurou um fósforo na bolsa,
mas não encontrou nenhum.
Vou apanhar o
fogo de uma das velas, pensou.
A escuridão da
nave era cortada apenas por um facho de luz num dos cantos. Ela caminhou pelo
corredor lateral em direção ao borrão esbranquiçado, então reparou que não era
causado por velas e, em todo caso, estava quase sumindo - um homem parecia
prestes a apagar a última lamparina a óleo.
"São
oferendas votivas", ele disse. "Nós apagamos à noite. Acho que é mais
importante para quem ofereceu se as economizarmos para o dia seguinte, em vez
de mantê-las acesas a noite toda."
"Entendo."
Ele apagou a
última chama. Não havia mais luz na catedral, salvos um candelabro elétrico no
teto e a lâmpada sempre acesa diante do sacrário.
"Boa
noite", disse o sacristão.
"Boa
noite."
"Suponho que
você tenha vindo para rezar."
"Isso
mesmo."
Ele entrou na
sacristia. A Sra. Hanson ajoelhou-se e rezou.
Fazia muito tempo
que ela não rezava. Mal sabia para quê, então rezou para seu empregador e para
os clientes em Des Moines e Kansas City. Quando terminou, olhou para cima. Uma
imagem de Nossa Senhora a encarava de um nicho a menos de dois metros de sua cabeça.
A Sra. Hanson
contemplou vagamente a imagem. Então ficou de pé e caiu, exausta, na beira do
assento. Em sua imaginação, a Virgem desceu, como na peça "O
Milagre", tomou seu lugar e vendeu espartilhos e cintas, ficando tão
cansada quanto ela. Então a Sra. Hanson deve ter cochilado por uns minutos.
Acordou com a sensação de que algo havia mudado, sentiu aos poucos um aroma
familiar no ar, que não era de incenso, e sentiu que seus dedos doíam. Então
percebeu que o cigarro que trazia entre os dedos estava aceso - e queimando.
Ainda sonolenta
demais para pensar, ela deu uma tragada para manter a chama viva. Então olhou
para cima e viu o nicho vago de Nossa Senhora, à meia-luz.
"Obrigada
pelo fogo", ela disse.
Mas não lhe
pareceu o suficiente, de modo que ela se ajoelhou, com a fumaça subindo em
espirais do cigarro entre seus dedos.
"Muitíssimo obrigada pelo
fogo", ela disse.
Fonte: www.folha.uol.com.br
(Ilustríssima)
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