Minha
irmã, conta-me histórias da infância em que eu haja sido herói sem mácula
Meu
irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a bilirrubina
Maria,
prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos
Chamem-me
a massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências
E
comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas
sobre a mesa, as pontas prestes à poesia
Eis
que se anuncia de modo sumamente grave
A
vinda da mulher amada, de cuja fragrância
Já
me chega o rastro.
É
ela uma menina, parece de plumas
E
seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos ventos
Empós
meu canto. É ela uma menina
Como
um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que
para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do
meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
Da
descrença começam a encapuzar-se em negros mantos
Para
cantar seus réquiens e os falsos profetas
A
ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras
Mas
nada a detém; ela avança, rigorosa
Em
rodopios nítidos
Criando
vácuos onde morrem as aves.
Seu
corpo, pouco a pouco
Abre-se
em pétalas... Ei-la que vem vindo
Como
uma escura rosa voltejante
Surgida
de um jardim imerso em trevas.
Ela
vem vindo... Desnudai-me, aversos!
Lavai-me,
chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvorecei-me,
auroras nascituras!
Eis
que chega de longe, como a estrela
De
longe, como o tempo
A minha amada última!
Vinicius de Moraes
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