Samba Esquema Novo
1963
Para a maioria dos pesquisadores da música popular brasileira o período
mais importante de nossa história concentra-se entre os anos de 1930 a 1945. É
o que chamam de época de ouro. Sem dúvida que esse foi um dos momentos mais
ricos que tivemos, pois naquele espaço de 15 anos vimos florescer nomes como
Noel Rosa, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Carmen Miranda, Orlando Silva, Sílvio
Caldas, Ataulfo Alves, Custódio Mesquita e muitos outros grandes artistas que
marcaram o cancioneiro popular do Brasil. Contudo, um fato importante deve ser
citado com o mesmo destaque, qual seja a grande coincidência que viria também
15 anos depois em 1960, quando o Brasil já demonstrava a maturidade de uma nova
geração de músicos que despontaram nos meados dos anos cinqüenta e que se
juntariam a outros que fariam da década de sessenta mais uma fase de ouro,
fazendo-nos concluir que não tivemos um hiato muito grande de carência musical,
apenas uma fase de adaptação durante os dez primeiros anos do pós-guerra e
depois uma avalanche de novos talentos, que renovariam a música popular
brasileira, e a fariam universal, desta vez de forma definitiva.
Após o advento da Bossa Nova o mercado e as condições históricas
visualizavam um campo extremamente fértil para o surgimento de novos artistas e
novas tendências musicais. Nesse contexto é que surge a figura de Jorge Ben,
cantor e compositor carioca que iria trazer para o público brasileiro um novo
som, um samba estilizado, diferente das concepções bossanovistas, com uma
negritude e um balanço jamais vistos em nossa música popular, onde sua batida
de violão, aliada a uma linha melódica totalmente renovada e moderna mais a
ingenuidade de suas letras revelaram uma nova maneira de interpretar o samba,
que ele chamou de esquema novo, título de seu primeiro LP lançado em 1963.
O destaque maior do disco estava nas canções "Mas que nada", e
"Por causa de você, menina" anteriormente gravadas em um disco 78
rotações com Jorge Ben acompanhado do conjunto Copa 5 formado por, Meireles no
sax, Pedro Paulo no trompete, Toninho no piano, Do Um Romão na Bateria e Manuel
Gusmão no baixo, gravações estas que foram reaproveitadas no LP.
O sucesso foi imediato apesar de alguns críticos acharem as letras
infantis, as harmonias pobres e o violão tocado errado e o que é mais curioso,
eles pensavam que Jorge Ben seria um fenômeno passageiro, contrariando, pois os
"entendidos" no assunto, o disco alcançou em apenas dois meses a
cifra recorde para a época de 100 mil cópias vendidas transformando Jorge Ben
da noite para o dia no maior fenômeno da música popular brasileira e não em
mais um modismo efêmero, fato este que veio a se confirmar com seus discos
posteriores, todos eles com músicas de excelente qualidade e grande apelo
popular.
É importante citar algumas partes do comentário de Armando Pittigliani
na contra-capa do disco: "O samba de Jorge Ben, da batida de seu violão à
linha melódica e letra de suas composições revela um novo caminho nos
horizontes de nossa música popular. É o esquema novo do samba. Reparem que a
harmonia negroide transborda em todos os momentos de sua música (...) Seu inato
talento musical proporcionou-lhe descobrir uma nova puxada para o nosso samba,
fazendo do violão um instrumento, sobretudo, de ritmo. Na sua batida tanto se
destaca o baixo como o desenho rítmico de sua pontuação na maneira toda sua de
tocar. Um exemplo disso é o fato de várias faixas deste disco não contarem com
o contrabaixo na orquestração. Somente o violão de Jorge já da a necessária
marcação dispensando, portanto, aquele instrumento de ritmo. O balanço do
acompanhamento repousa quase sempre no seu violão".
Outra música incluída no disco e que se tornaria em grande sucesso foi
"Chove chuva", um dos clássicos de seu repertório. Em "Por causa
de você, menina", ele inova na letra fazendo menção a Obá (deusa nagô do
amor) e aos santos Sacundin e Sacundém e ainda aos guerreiros Dombim e Dombém,
além de pronunciar a palavra você como "voxê", dando um toque
especial e único à interpretação. Misture, portanto, essas expressões em nagô,
inclua umas inflexões rítmicas influenciadas pelo som "mbira"
rodesiano mais o balanço rítmico de seu violão que temos então a receita
perfeita de realmente um novo som, popular, brasileiro e universal.
Mas a negritude estilizada do som de Jorge Ben e a influencia dos
elementos afro em suas canções vem por ele mesmo traduzida ao afirmar em
"Mas que nada", que "este samba que é misto de maracatu, é samba
de preto velho, samba de preto tu". O LP Samba Esquema Novo contava também
com as músicas, "Tim dom dom", de João Mello, única música não
assinada por Jorge Ben, "Balança pema", "Rosa, menina,
rosa", "Quero esquecer voce", "Ualá ualalá", "Vem
morena", "É só sambar", "A tamba" e "Menina
bonita não chora".
Quando hoje em dia fala-se em renovação na música
popular brasileira, mistura de ritmos e novas experiências sonoras, que invariavelmente
caem na mediocridade ou na mera preocupação de consumo, verificamos ao ouvir
este disco de Jorge Ben, o quanto ainda precisamos aprender a sermos talentosos
e revolucionários sem a necessidade de simplesmente ganhar dinheiro a qualquer
custo, pois o talento é um dom natural que nem todos possuem e que não se vende
barato. Viva seu Jorge Ben ou Benjor, você que já esta com todos os méritos na
galeria dos grandes de nossa canção popular, continue com seu balanço, pois ele
já é eterno. Sacundim, sacundem!
Luiz
Américo Lisboa Junior,
in www.luizamerico.com.br
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