terça-feira, 12 de junho de 2012

Sertão do velho Lula em harmonias

Saudades. A palavra oficialmente conhecida somente nos idiomas galego e português, descreve a mistura dos sentimentos de perda, falta, distância e amor. A palavra vem do latim "solitas, solitatis" (solidão), na forma arcaica de "soedade, soidade e suidade" e sob influência de "saúde" e "saudar". Saudade, foi o que sentiu o público convidado ao assistir a primeira apresentação do Projeto Concertos Sinfônicos Clássicos do Baião - Tributo a Gonzagão, na noite do domingo passado no Teatro Municipal Dix-Huit Rosado, em Mossoró.


Unindo Orquestra Sinfônica da UFRN e artistas potiguares, Sesc põe na estrada o projeto Concertos Sinfônicos Clássicos do Baião - Tributo a Gonzagão. Estreia foi sábado e termina em 2013.

O concerto, promovido pelo Sesc/RN em parceria com a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), encantou crianças, adultos e idosos que rememoram clássicos de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, rearranjados numa envolvente sinfonia de cordas, instrumentos de sopro e, por que não, zabumba, triângulo e sanfona? Se estivesse vivo, Luiz Gonzaga completaria, no dia 13 de dezembro deste ano, 100 anos. "É uma justa homenagem que fazemos a maior figura da cultura nordestina no ano do seu centenário de nascimento. Não houve escolha melhor para o projeto", relatou o diretor regional do Sesc/RN, Laumir Barreto.
E quem chamou o público ao espetáculo foi o ator/cantor Caio Padilha, que parecia conversar com Gonzagão através de imagens exibidas em telões, contendo entrevistas que o maior ícone da cultura nordestina concedera no passado. No vídeo, Luiz Gonzaga explicava como um cantor do sertão nordestino se montava: com um gibão, uma sanfona e chapéu de couro. Já na primeira seleção de músicas tocadas pela orquestra sob a regência do maestro André Muniz,  a emoção da platéia era evidente e os músicos foram aplaudidos de pé.
Visivelmente emocionada, a cantora Khrystal foi a primeira a subir ao palco e interpretou o clássico "Baião". Em seguida, o dramático "Assum Preto" ganhou um tom ainda mais melancólico proporcionado pelos instrumentos da orquestra e com uma emocionante performance de Valéria Oliveira. Como uma espécie de coringa, atuando e cantando, Caio Padilha interpretou "Que nem jiló", seguido pelo tímido, mas não menos talentoso, Widger Valle com a canção "Danado de bom". A esta altura, a orquestra e os cantores já tinham arrebatado a emoção da platéia e Luiz Gonzaga parecia estar ali, a cada novo vídeo projetado.  Nem menina, nem mulher, num vestidinho branco esvoaçante, Camila Masiso embalou o "Xote das Meninas", uma das mais conhecidas do Gonzagão. "Esta música reflete de alguma forma, o momento pelo qual estou passando neste momento. Não que eu só pense em namorar, mas me sinto mais madura, mais mulher", brincou a intérprete. A noite parecia ter caído com as imagens do luar e do céu estrelado projetadas nos telões. O sanfoneiro Zé Hilton, acompanhado por músicos da Orquestra, tocam "Luar do Sertão" enquanto o público se encarrega de cantarolar a canção.
Em alguns momentos, a cumplicidade da orquestra com as imagens de Luiz Gonzaga era tão intensa que em "Dança Mariquinha", o passado e o presente se uniram numa comunhão complexa e harmoniosa de sons: era como se Luiz Gonzaga chamasse a orquestra para o acompanhar naquela canção. Para o professor Alípio Neto, que ao longo do concerto cantou quase todas as músicas, aquele foi um momento único. "Eu lembrei do meu pai e das músicas que ele cantava para mim e para meus irmãos. Estou muito emocionado", relatou.  Os olhos marejados do professor mossoroense pareciam navegar pelos mares da saudade. No encerramento, todos os cantores se uniram à orquestra e cantaram "Asa Branca", acompanhada em coro pelo público. O concerto foi encerrado com "Vida de Viajante", que em seus versos descreve o que pode ter sido a vida do "Rei do Baião", feita de alegria e saudade. 
A primeira edição do Projeto Parcerias Sinfônicas do Sesc/RN foi realizada entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro quadrimestre deste ano. Foram realizadas dez apresentações com a cantora Camila Masiso e os músicos da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Para a segunda edição, cujas apresentações começaram domingo passado em Mossoró, a direção regional do Sesc/RN optou por convidar mais artistas e homenagear o centenário de nascimento de Luiz Gonzaga.
"A ideia surgiu do desejo de aliar a marca Sesc a uma orquestra. Após algumas análises, reuniões e negociações, a parceria com a Orquestra da UFRN foi fechada. Nosso objetivo é proporcionar música de qualidade, unindo o erudito ao popular à população em geral. É a cultura como instrumento de educação", analisou o diretor regional do Sesc/RN, Laumir Barreto. Todos os concertos são gratuitos e geralmente ocorrem em locais abertos. Até janeiro de 2013, serão realizadas mais 12 apresentações em cidades potiguares e três em São Paulo, no Sesc Itaquera e Pinheiros.
Nas duas edições, o Sesc/RN, com apoio do Sesc Nacional, já investiu cerca de R$ 1,6 milhão na produção e execução dos concertos. Além disso, os músicos que compõem a orquestra, a maioria deles estudantes da UFRN, recebem uma ajuda de custeio mensal para comparecerem aos ensaios. Para Laumir Barreto, um dos maiores diferenciais deste projeto, que é pioneiro dentre os demais Sescs do país, é a inclusão de artistas e técnicos genuinamente potiguares. "Não adianta ter boas ideias se não dispormos de pessoas qualificadas e isso nós encontramos aqui no estado, além dos cantores maravilhosos, claro", enfatizou Laumir Barreto.
Experimentos ao som de Luiz Gonzaga
Em uníssono, os artistas convidados pelo Sesc e pelo maestro André Muniz para participarem do projeto, se diziam honrados e nervosos momentos antes da apresentação. Com 15 anos de carreira, a cantora Khrystal subiu ao palco para cantar acompanhada por uma orquestra pela primeira vez. "Eu me sinto privilegiada. Pelo requinte dos arranjos, pelas músicas em si. É uma oportunidade massa", resumiu a intérprete. Ela acredita que, a partir da participação neste projeto, novas oportunidades de trabalho surgirão.
Homem de poucas palavras, o cantor Widger Valle não escondia sua ansiedade enquanto aguardava o início do espetáculo. "Existem músicas do Luiz Gonzaga que são um verdadeiro trava-línguas. O "danado de bom" me deu um trabalho danado para decorar", confessou o artista. Ele disse que o fato de subir ao palco com uma orquestra era um grande desafio mas a recompensa vinha com os aplausos do público.  Caio Padilha, que atua no concerto como cantor e ator, comentou que todos os envolvidos aceitaram o convite "estremecidos".
Para Camila Masiso, a oportunidade de cantar nas duas edições do projeto foi um grande presente. "Com uma orquestra, a música de Luiz Gonzaga fica ainda mais emocionante", relatou.   De acordo com o maestro e regente André Muniz, a qualidade do concerto mostra que é possível fazer música de qualidade com os artistas locais. "A gente sempre vai lançar luz sobre os grandes valores que temos em nosso estado", destacou. Ele criticou, entretanto, a falta de apego do potiguar pela cultura local e a baixa autoestima em relação ao potencial que poderia ser explorado. "Se fosse em outro estado, um concerto como este já teria sido internacionalizado", comentou Muniz.
Além do crescimento profissional dos cantores e músicos envolvidos, o Projeto Parcerias Sinfônicas proporcionou, ao lado do regente, um aumento no número de concertos da Orquestra. De apenas três realizados em 2009, para este ano já foram confirmados 35. "Este projeto é tudo o que sempre quis na minha vida", confidenciou André Muniz.
Integram o concerto Tributo a Gonzagão cerca de 70 músicos e cinco intérpretes - Caio Padilha, Camila Masiso, Khrystal, Valéria Oliveira, Widger Valle - e o sanfoneiro Zé Hilton.  
Ricardo Araújo, in www.tribunadonorte.com.br

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