Imagem: Google
Sobreveio
a seca de 1898. Só se vendo. Como que o céu se conflagrara e pegara fogo no
sertão funesto.
Os
raios de sol pareciam labaredas soltas ateando a combustão total. Um painel
infernal. Um incêndio estranho que ardia de cima para baixo. Nuvens vermelhas
como chamas que voassem. Uma ironia de ouro sobre azul.
O
sol que era para dar o beijo de fecundidade dava um beijo da morte longo,
cáustico, como um cautério monstruoso.
A
poeira levantava e parecia ouro em pó.
Os
ocasos congestos entravam pelas trevas em nódoas sanguíneas. Sobras fervidas. Como
um cinzeiro em brasas. Noites tostadas.
Um
derrame de luz exaltava que parecia o
sol fulminante derretido nos seus ardores.
Ventava.
Não era o vento pontual da boca da noite todo sujo de pó como uma criança
traquina. Era um sopro do inferno que, alteando-se, parecia querer rasgar as
nuvens para acender a fogueira.
A
flor desfalecia.
Durante
um ano a fio, uma gota d’água que fosse não refrescara a queimadura dos campos.
Depois,
não se via um pássaro: só voavam muito alto as folhas secas.
Bem.
Um passarinho estava sob a última folha da umburana, como debaixo de um
guarda-sol. Caiu a folha e o passarinho abriu o bico e também caiu, com as asas
abertas.
O
panasco pulverizava-se; girava com a poeira chamejante.
Até
onde dava a vista se achatava a paisagem cinérea. A desolação da mesma cor.
A
capoeira esquelética levantava os garranchos, como dedos crispados. E dançava,
à força, nessa tragédia, como o bochorno fogoso.
A
caatinga formava um aranhol.
Como
era feia a natureza resseca na sua nudez de pau e pedra!
Os rebanhos aflitos prostravam-se no chão
esbraseado.
José
Américo de Almeida, in A bagaceira
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