Iôiô foi um bode mestiço com
forte predominância da raça parda alpina que viveu na cidade de Fortaleza no
início do século XX. Em 1915 um retirante da seca vendeu o dito cujo para José
de Magalhães Porto, representante do industrial Delmiro Gouveia, correspondente
no nordeste da empresa britânica Rossbach Brazil Company, localizada na Praia
de Iracema.
O bode perambulava, sem ser molestado pelos fiscais da prefeitura, pelas
ruas centrais da cidade, na companhia de boêmios e escritores que frequentavam
os bares e cafés ao redor da Praça do Ferreira, centro cultural da capital.
Bebia cerveja e cachaça, fumava charuto e gostava de ouvir música e muitas
vezes, acompanhava os seresteiros pelas madrugadas. O bicho parecia gente. Era
sempre visto no meio das conversas dos boêmios, poetas e intelectuais. Esse
nome Iôiô foi lhe dado por ele sempre percorrer o mesmo trajeto, entre a Praça
do Ferreira e a Praia de Iracema, num vai-e-vem danado.
Quem visita Fortaleza poderá ver o bode Iôiô imortalizado como peça de
museu. Logo após sua morte, em 1931, foi empalhado e doado ao acervo do Museu
do Ceará.
Conta-se que o bode Iôiô era a reencarnação de Paulo de Castro
Laranjeira, engenheiro fiscal das obras do Estado e poeta e seresteiro.
Laranjeira se apaixonou perdidamente, quando por acaso, na Praça do Ferreira,
cruzou o olhar com uma donzela de traços finos, esnobe, esbelta de olhos verdes
como o mar de Fortaleza. Nunca mais foi o mesmo! Enlouqueceu. Seu sonho de
cortejá-la e casar com ela era impossível. A família da moça jamais permitiria
tal consorte. Um boêmio cachaceiro? Nunca, jamais! Teria dito um dia o pai dela.
Destroçado pela paixão suicidou-se bem debaixo do sobrado da moça, no dia
14 de fevereiro de 1897, com um tiro de pistola no ouvido, embriagado pelo
champanhe e dizimado pelo fogo da paixão bem logo após cantar em serenata a
modinha “Teu Desprezo” que tinha escrito especialmente para ela, cujos versos
assim falavam:
“Teu desprezo me arrasta
lentamente
Para a campa solitária vou partir
E a morte será minha vingança
Para que serve, ó mulher, eu existir.”
Para a campa solitária vou partir
E a morte será minha vingança
Para que serve, ó mulher, eu existir.”
Se fitares meu sepulcro esquecido
Ó tu, a quem tanto idolatrei,
Deita sobre meu túmulo uma saudade
Em troca do amor que te jurei.”
Ó tu, a quem tanto idolatrei,
Deita sobre meu túmulo uma saudade
Em troca do amor que te jurei.”
Dezoito anos depois do suicídio de Laranjeira, o bode Iôiô vinha
calmamente de suas andanças caprinas, quando se aproximou como de costume, de
uma roda de seresteiros. Naquele momento falavam da morte trágica do Paulo
Laranjeira. Em homenagem póstuma, um boêmio chamado Fetinga então começou a
cantar a modinha “Teu Desprezo”. Ao ouvir a música, o bode Iôiô que estava
atento à conversa, começou a tremer e desabou no chão, em convulsão epilética,
espumando.
O espanto foi grande e o desespero foi geral. O bode estava morrendo, com
certeza. Alguns minutos depois, o caprino se levantou incólume, refeito. Tinha
sobrevivido àquela terrível e estranha síncope, mas notaram uma evidente e
melancólica tristeza no olhar. Passado o susto, os seresteiros voltaram então a
cantar a modinha de Paulo Laranjeira. De repente, outra vez, ato contínuo, o
bode Iôiô repetiu a cena grotesca e caiu em estado epilético, se estrebuchando
no chão.
Os boêmios então não tiveram dúvida, o bode Iôiô era o Laranjeira
reencarnado. O boato então se espalhou pelos quatro cantos da cidade e até a
Igreja interveio, proibindo que se contasse a tal história, pois intentava
contra os princípios sagrados da Igreja.
Mas que o bode parecia ser gente, parecia, dizia o povo. O mistério
aumentou ainda mais quando em 1966, misteriosamente o rabo do bode sumiu. Dizem
que foi roubado por um turista estrangeiro. Para que alguém iria querer o rabo
do bode? Vai ver foi levado pra fazer algum feitiço, afinal o bode era o mesmo
que tá vendo uma pessoa.
O bode Iôiô participou de atos
políticos em coretos, praças e saraus literários, foi o segundo mais
votado vereador de Fortaleza, comeu a fita inaugural do Cine Moderno, assistiu
peça no Theatro José de Alencar, passeou de bonde, perambulou pelas igrejas e
até pela Câmara Municipal. Segundo o historiador Raimundo Girão, autor do livro
“Geografia da Estética Cearense”, o bode Iôiô era um cidadão cearense como
outro qualquer.
Newton
Silva, in
www.bestafubana.com.br
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