Um homem chamado Cordeiro abre a agenda em cima da sua mesa
de trabalho e vê escrito:
"Comprar arma”.
Ele não se lembra de ter escrito aquilo. Como tem agenda
justamente para ajudá-lo a
se lembrar das coisas, compra uma arma, mesmo não sabendo para quê.
No dia seguinte, vê na agenda: "Marcar almoço com
Rodrigues."
Mais uma vez, não se lembra de ter escrito
aquilo, nem tem qualquer razão para almoçar com o canalha do Rodrigues. Mas marca o almoço.
Durante o qual ouve do canalha do Rodrigues a notícia de que pretende se afastar da
companhia e vender sua parte ao canalha
do Pires, que assim terá a maioria e
mandará na companhia, inclusive no Cordeiro.
Cordeiro insiste para que Rodrigues venda sua
parte a ele e não ao Pires, mas Rodrigues ri na sua cara e ainda por cima não paga a sua
parte no almoço.
Naquela tarde, Cordeiro vê na sua agenda: "Matar
Rodrigues. Simular assalto." E o dia
e a hora em que deve acontecer o assassinato, sublinhados com força.
E na mesma folha: "Providenciar álibi: lancha."
Lancha? Cordeiro vira a página. Lá está o plano,
meticulosamente detalhado. Sair com a lancha no domingo, assegurando-se de que todos no clube
o vejam sair com a lancha, encostá-la em algum lugar ermo onde deixou seu
carro no dia anterior, ir de carro até a casa de Rodrigues,
matá-lo, jogar a arma fora, voltar de carro para a lancha e voltar de lancha para o clube, onde
todos o veriam chegar como se nada tivesse acontecido. É o que faz.
Na segunda-feira, Cordeiro arregala os olhos e finge estar
chocado quando chega à firma
e ouve do Pires a notícia de que houve um assalto no fim de semana e o
Rodrigues foi baleado, e está morto.
Pires revela que estava desconfiado de que
Rodrigues iria vender sua parte na companhia a Cordeiro. Pretendia marcar
um almoço para discutir o assunto com o canalha do Rodrigues, mas no dia
Rodrigues dissera que tinha outro compromisso para o almoço.
Na saída do escritório, Pires diz que na última
reunião dos três sócios tinha saído por
engano com a agenda do Cordeiro e pergunta se por acaso o Cordeiro não ficou
com a sua agenda.
Ou então:
Na segunda-feira, Cordeiro arregala os olhos e finge estar
chocado quando chega à firma
e ouve do Pires a notícia de que houve um assalto no fim de semana e o
Rodrigues foi baleado, e está morto.
Os dois marcam uma reunião para tratar do que
fazer com a parte do Rodrigues, mas
não chegam a um acordo e brigam. Naquele mesmo dia, Cordeiro vê escrito na sua agenda: "Incriminar
Pires."
É o que faz. Orientado pela agenda, consegue
plantar pistas falsas e convencer a polícia
de que Pires matou Rodrigues porque este pretendia vender sua parte na firma a Cordeiro. Com Pires afastado, Cordeiro
assume o comando da firma e a faz crescer como nunca ― sempre seguindo as
ordens da agenda, que não erra uma.
Até que um dia a agenda lhe manda juntar todo o
dinheiro em caixa na firma, vender
o que for possível para levantar mais dinheiro e jogar tudo na bolsa.
"Agora!", ordena a agenda.
Cordeiro jogou na bolsa todo o dinheiro que
tinha, o seu e o da firma. Foi na véspera da grande queda. Perdeu tudo. Quando
consultou a agenda de novo, desesperado, sem saber o que fazer
encontrou apenas a frase: "Quem entende a bolsa?”.
E no dia seguinte:
"Comprar arma”.
Luís Fernando Veríssimo
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