Qualquer
pessoa, minimamente perceptiva, que observar a realidade ambiental, haverá de
descobrir que esta frágil placenta em torno do planeta, como um líquen
envolvendo um rochedo, e que dá sustentação à vida, está passando por um
processo de desgaste superior à sua capacidade de regeneração.
Sem o auxílio de equipamentos tecnológicos, nem estudos
sistematizados, pode se ver os rios apodrecendo com nossos dejetos. Outros
sendo assoreados até perder a calha para virar águas andarilhas, transformando
vastas planícies em alagados inúteis. Terras antes férteis sendo levadas por
erosões furiosas, cedendo lugar a ravinas que não param de crescer. A dizimação
de áreas verdes, a poluição do ar, o calor crescente, as tempestades cada vez
mais hostis. Córregos secando, desaparecimento de espécies num ritmo cada vez
mais embalado. Tudo isso testemunha um desastre anunciado.
É possível também constatar, ou pelo menos deduzir num nível que
se permite tirar conclusões bastante convictas, de que a ação do homem neste
momento civilizatório tem o poder de acelerar ou retardar o processo de
desordem nos sistemas de suporte da vida. Por isso os cientistas chamam este
momento de Era Antropozóica. Quando se amplia os sentidos com as
ferramentas de prospecção, ou se adiciona ao entendimento as informações sistematizadas
e as conclusões das pesquisas científicas, a situação se apresenta escancarada:
a continuar o modelo desenvolvimentista atual, é questão de décadas para que
nossos biomas entrem em colapso. Se toda a população da Terra atingir o nível
de vida (nível de consumo) dos americanos, precisaremos de 5,3 planetas para
sobreviver. E o que é mais grave: não sabemos a hora exata em que ocorrerá o
ponto de virada. Quando o próprio sistema de apodrecimento se auto alimentará,
sem nos dar chances de um arrependimento eficaz. Mais grave ainda: não
localizamos meios ambientes alternativos, onde possamos resguardar os nossos
descendentes.
Diante de sua capacidade de intervenção, para o bem e para o mal;
de posse da razão que lhe concede a capacidade de entender a realidade e por
ela guiar seus atos, parece óbvio que o Homo sapiens tem o dever moral de
buscar fórmulas de atender suas necessidades e desejos, respeitando os
parâmetros da sustentabilidade ambiental. No entanto, isto está longe de ser
uma prática. A insensatez parece se apropriar de todos os instrumentos que a
inteligência inventa e acelera cada vez mais o vandalismo contra a casa que nos
abriga.
Neste e nos próximos artigos, tentarei alinhar alguns fatos,
algumas “falhas morais” de nossa cultura, que levam o homem a cavar a própria
cova numa escala planetária. E não apenas para si mesmo, mas para várias outras
espécies contemporâneas.
Desde os primórdios da civilização, pelos menos a partir do
surgimento das três grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e
islamismo), o Homo sapiens vem tentando se distanciar de sua condição natural
(filho da natureza, como a ameba, o lagarto e o orangotango) e encontrar suas
semelhanças divinas.
No entanto, a teoria da evolução das espécies, a cada dia mais,
vem provando que o ser humano é mesmo um filho do processo evolutivo. Podemos
até ter a imagem e semelhança de Deus, mas somos também à imagem e semelhança
dos bonobos, dos gorilas, orangotangos e chimpanzés. Se Deus participou do
processo, não foi como o mágico serelepe da lamparina (faça-se isso, faça-se
aquilo, faça-se o homem, etc.), mas como o gestor cioso e paciente de um longo
processo que vem de muito longe a inda está em pleno andamento.
O meio ambiente e sobretudo nós teríamos muito a ganhar se
acreditássemos que somos filho da natureza e que não podemos viver apartados
dela. Que somos apenas a ponta de um ramo evolucional, como tanto outros,
presentes ou já extintos, que persistimos apenas porque nos apresentamos aptos
neste momento, enquanto persistirem as condições ambientais que garantem, ou
pelo menos toleram o nosso estilo de vida. Se nos tornarmos inconvenientes
demais, seremos varridos do mapa das espécies, como disse o filósofo Lao Tsé
(604 – 531 a.C): "Céu e terra (a natureza) não têm atributos e não
estabelecem diferenças: tratam miríades de criaturas como cachorros de palha”
(o cachorro de palha era detonado ao fim de rituais de meditação). Vale lembrar
que Lao Tsé era taoísta e pregava a compaixão, a moderação e a humildade, e
postulava a integração com a natureza, a harmonia da humanidade com o cosmo.
Só para se ter uma ideia da ojeriza que nutrimos por nossa
condição natural, uma pesquisa recente feita pelo Instituto Gallup, por ocasião
dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin (2009), apenas 39% dos americanos
responderam acreditar na teoria da evolução. A pesquisa apontou também que
quanto menor a escolaridade, maior desprezo pela teoria. Quanto mais religioso,
maior a desconfiança nos princípios constatados pelo pai da Biologia Moderna. Imagine
qual seria o resultado de uma pesquisa semelhante em nosso país, que, em
relação aos Estados Unidos, apresenta um superávit de religiosidade
considerável e um déficit pedagógico descomunal. Lembrando que em anos recente
o governo de um de nossos Estados mais cosmopolita simplesmente proibiu o
ensino da teoria da evolução das espécies nas escolas estaduais.
Não custa lembrar que tal teoria é uma das formulações mais
sobejamente comprovadas. Seja pela existência dos dinossauros e outros fósseis,
seja pela a medição pelo carbono-14, ou pelo urano-235, pela aquisição de
resistência das bactérias aos antibióticos e tantos outros fenômenos
comprobatórios de que os organismos vivos estão em processo de evolução.
O fato é que há uma teologia que se opõe, ao invés de se aliar à
ciência, na base de nossa civilização. Nesse obscurantismo que ainda vige em
pleno século 21, estamos muito mais propensos a crer que na hora H, um Deus
interventor, triunfalista e marqueteiro nos salvará da ira da natureza, do que
tomar medidas prudenciais que evitariam uma “catástrofe natural”.
Edival Lourenço, in Revista Bula
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