A
despedida
Zunem
as moscas entre os restos do banquete. Nem o muito vinho nem o bom
sol adormecem os comilões. Esta manhã, os corações batem
apressados. Debaixo da folhagem, frente ao mar, Pedro de Valdívia
diz adeus aos que vão partir. No fim de tanta guerra e fome nas
terras bravias do Chile, quinze de seus homens se dispõem a
regressar à Espanha. Alguma lágrima roda quando Valdívia recorda
os anos passados juntos, as cidades nascidas do nada, os índios
domados pelo ferro das lanças:
– Não
me sobra outro consolo – se inflama no discurso – além de
entender que vais descansar e gozar o que bem merecido tem, e isso
alivia, em parte pelo menos, o meu penar.
Não
longe da praia, as ondas acalantam o navio que os levam ao Peru. De
lá, viajarão ao Panamá; através do Panamá, ao outro mar, e
depois... Será longo, mas o que estica as pernas sente que já está
pisando as pedras do cais de Sevilha. A bagagem, roupa e ouro, está
na coberta desde a noite anterior. Três mil pesos de ouro levará do
Chile o escrivão Juan Pinel. Com seu maço de papéis, uma pluma de
ave e um tinteiro, seguiu Valdívia como uma sombra, dando fé de
cada um de seus passos e força de lei a cada um de seus atos. Várias
vezes roçou a morte. Esta fortuninha sobrará para remediar a sorte
das filhas donzelas que esperam pelo escrivão Pinel na distante
Espanha.
Estão
os soldados sonhando em voz alta, quando de repente alguém dá um
pulo e pergunta:
– E
Valdívia? Onde está Valdívia?
Todos
se precipitam para a beira do mar. Saltam, gritam, erguem os punhos.
Valdívia
aparece, cada vez menor. Lá vai, remando o único bote, rumo ao
navio carregado do ouro de todos.
Na
praia de Valparaíso, as maldições e as ameaças soam mais forte
que o barulho das ondas.
As
velas se inflam e se afastam rumo ao Peru. Vai-se Valdívia em busca
de seu título de governador do Chile. Com o ouro que leva e o brio
de seus braços, espera convencer os que mandam em Lima.
No
alto de um rochedo, o escrivão Juan Pinel aperta a cabeça e ri sem
parar. Morrerão virgens as suas filhas na Espanha. Alguns choram,
vermelhos de raiva; e o corneteiro Alonso de Torres desafina uma
velha melodia e depois arrebenta seu clarim, que é o que lhe restou.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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