quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Os caminhos de que se vale Deus para alimentar o espírito

Porém, quem pode detalhar seu primeiro dia em Atenas, quando os sonhos infantis, quase esquecidos, recobram luzes e linhas, e parecem confirmar-se? Andamos entre deuses e turistas, transpiramos, bebemos vinho; tão logo ficava ensimesmado ou me tornava loquaz, sentia vontade de cantar ou emudecia. Os olhos apreendem o desnecessário e se multiplicam para o eterno. Se cruzava com uma jovem que vestia uma simples blusa, tratava-se de uma donzela dos jogos ou os oráculos. Passei junto ao Erecteion e suas cariátides quase sem olhar, com uma saudação tácita para as velhas amigas. No Partenon a sabedoria de Ictinome foi revelada em dobro: a perfeição do templo e a maestria de sua situação dentro da paisagem. E o mar que se vê do alto da Acrópole! Por onde andava o barco de velas negras que se arrojou no velho Egeu? E este presente inesperado: os tomates mais deliciosos que já comi.
De noite permaneci uma ou duas horas no terraço do hotel: o Partenon iluminado a giorno. (Sabia eu que suas pedras eram de um tom amarelo cru? Porém, quantas coisas eu não sabia?). Adormeci na expectativa de visões influenciadas pelo dia que passara. Mas isso não aconteceu. Sonhei com os caminhos de que se vale Deus para alimentar o espírito.
Por canais de acrílico (eu não tinha visto nem vasos nem veias de acrílico), amáveis corpúsculos de luz me chegavam até o peito, em uma suave continuidade de oferta; pareceu-me um doce sistema cardiovascular supletivo, que distribuía graças. Ao mesmo tempo (não se via Deus, mas era certo que Ele ali estava) fibrilas que desprendiam fagulhas do verbo me transmitiam notícias nobres do espaço e do silêncio. A voz de multidões havia cessado. E todos esses grãos de pó redentor ficavam em mim, rodeado que estava de um diafaneidade e de uma paz que nunca encontrarei na vigília.
Durante o desjejum contei tudo à minha mulher, porém ela (que havia sido mártir nos tempos da perseguição religiosa) limitou-se a sorrir.
Que podemos fazer? Deus nunca poderá ser mais do que já é; nem eu, por mais redundante que me torne, poderei ser menos do que já sou. De modo que um dia destes nos encontraremos.

Gaston Padilla, Memórias de un prescindible, in Livro de Sonhos, de Jorge Luís Borges

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