Se
você está se perguntando se fomos atrás do nosso amigo Bruce
Patterson, bem, não fomos. Planejamos tudo, mas simplesmente não
levamos adiante. Havia coisas mais importantes para resolver em casa,
como a frieza com que mamãe e papai tratavam Rube e eu. Sem dúvida,
estavam muito infelizes com o tipo de vida que levávamos e com o
talento que tínhamos para envergonhá-los. Você também pode achar
que essa frieza pode ter diminuído nosso entusiasmo para nos
vingarmos, de alguma forma, do Bruce por causa da Sarah, mas não foi
isso. Não, de verdade. Steve também nos disse pra deixar pra lá.
Ele tinha voltado à rotina de “Eu sou melhor que vocês” e nos
chamou de idiotas. Tudo isso me intimidou um pouco, mas não ao Rube.
Ele estava animado como sempre e realmente acreditava que não éramos
responsáveis pelo ataque cardíaco do cachorro do vizinho. Me
explicou que não tínhamos culpa se o cachorro idiota era frágil
feito papel.
— Droga,
não é proibido jogar futebol no próprio quintal, é? — perguntou
ele.
— Acho
que não.
— Você
sabe que não.
— Imagino
que sim.
Pensamos
naquilo por uns dias, e Rube finalmente entrou em nosso quarto e me
contou o plano e seu significado. Falou: — Cam, esse vai ser meu
último trabalho. — Dava até pra pensar que o cara era o Al Capone
ou coisa que o valha. — Sabe, depois desse último esforço, vou
parar com essa brincadeira de assaltos, roubos e vandalismo.
— Mas
como é que você vai se aposentar se nem chegou a fazer carreira?
— Ah,
cala a boca. Confesso que tive meus altos e baixos, mas isso tem que
parar por aqui. Não acredito no que estou dizendo, mas eu tenho que
crescer.
Pensei
um pouco, sem querer acreditar, e então perguntei: — E o que vamos
fazer? — Fácil. — Foi a resposta dele. — Ovos.
— Ah,
fala sério. — Reclamei. — Podemos fazer coisa muito melhor que
uns ovos nojentos.
— Não
podemos, não. — Pela primeira vez na vida, eu ouvia o Rube falar
sobre o assunto com um tom de realidade na voz. — A verdade, cara,
é que somos casos perdidos.
Só
pude assentir ao ouvir isso. Então, falei: — Tá bem. — E ficou
decidido que, na sexta à noite, iríamos até a casa de Bruce
Patterson para jogar ovos no belo carro vermelho dele. Talvez, na
porta da frente e nas janelas da casa também. Fiquei feliz de
verdade por ser a última vez, porque já estava ficando enjoado
disso.
Outro
fato inevitável fez a história toda mais difícil do que devia ser.
Era o fato de que eu ainda não conseguia parar de pensar em Rebecca
Conlon. Simplesmente não conseguia, por mais que tentasse. Pensei
nela e fiquei imaginando se ela estaria lá essa semana, ou se teria
saído de novo, seguindo a vida sem mim. De vez em quando, isso me
magoava; outras vezes, me convencia de que tudo isso era muito
arriscado. Basta olhar para o Bruce e a Sarah, falei para mim
mesmo. Aposto como o cara estava tão obcecado com a Sarah quanto eu
com essa outra garota, e aposto que ele prometeu a si mesmo nunca
magoá-la, assim como andei fazendo. E olha o que ele fez com a
Sarah. Ele a deixou completamente perdida, deitada na cama o tempo
todo.
Quando
chegou a sexta à noite, acho que Rube e eu estávamos muito cansados
para continuar com aquela história toda. Estávamos cansados de nós
mesmos e, com duas caixas de ovos guardadas no nosso quarto,
resolvemos não ir.
— Ah,
bem, é isso então — falou Rube. — Se você tem que pensar tanto
tempo sobre isso, não vale a pena.
— E
o que vamos fazer com os ovos?
— Comer,
acho.
— O
quê? Doze, cada?
— É
o que parece.
Por
um tempo, deixamos os ovos debaixo da cama do Rube, mas ainda fui
sozinho até a casa do Bruce.
Fui
lá depois do jantar e passei pelo carro dele, imaginando que tinha
jogado os ovos nele. A ideia era, no mínimo, ridícula.
Acabei
rindo enquanto batia na porta, embora o sorriso tenha sumido do meu
rosto quando uma garota, que imaginei ser a substituta da Sarah,
atendeu. Ela abriu a porta e ficou olhando para mim através da porta
de tela.
— O
Bruce está por aí? — perguntei.
Ela
fez que sim com a cabeça. — Quer entrar?
— Não,
estou bem aqui. — Esperei do lado de fora, na varanda.
Quando
Bruce me viu, pareceu bastante confuso. Não éramos amigos nem nada.
E também não tínhamos uma piscina para ele me empurrar nela, nem
jogávamos bola juntos por aí. Não. A gente nem se falava direito,
e eu podia ver que ele tinha medo que eu fosse aprontar alguma. Eu
não ia.
Tudo
que fiz foi esperar ele sair de casa para podermos conversar. Só uma
pergunta. Era tudo que eu tinha, quando nos inclinamos na grade,
fitando a rua.
Fiz
a pergunta.
— Quando
você viu minha irmã pela primeira vez... você prometeu a si mesmo
que nunca iria magoá-la?
O
silêncio durou um tempo; então, ele respondeu. Falou: — Prometi,
sim.
Depois
de uns instantes, saí. Ele gritou: — Ei, Cameron.
Virei.
— Como
ela está?
Sorri,
de cabeça em pé, decidido.
— Bem.
Ela está bem.
Ele
assentiu, e falei: — Nos vemos depois.
— Claro.
Nos vemos depois, cara.
Em
casa, a noite não tinha acabado. O que aconteceu não foi um ato de
vandalismo, mas de simbolismo.
Por
volta das oito e meia, Rube entrou no quarto e estava diferente. O
que era? A barba se fora.
Quando
ele apresentou ao restante da família o rosto pós-selvagem,
ouviram-se palmas e suspiros de alívio. Sem rosto selvagem. Sem mais
comportamento selvagem.
Continuei
ouvindo Bruce Patterson me dizer que prometera nunca magoar a minha
irmã. Isso me perseguiu, mesmo quando eu assistia a um filme
extremamente violento na tevê. Continuei ouvindo a voz dele e fiquei
imaginando se ia magoar Rebecca Conlon, se, primeiro, ela me deixasse
chegar perto dela. Me perseguiu a noite toda.
Eu
e ela estamos na selva. Não vejo seu rosto, mas sei que estou com
Rebeca Conlon. Eu a puxo pela mão, e estamos correndo muito rápido,
nos abaixando ao passar por árvores contorcidas, com dedos que eram
galhos e que se espalhavam feito um teto radiado sob o céu cinza.
— Mais
rápido — digo para ela.
— Por
quê — É a pergunta que faz.
— Porque
ele está vindo.
— Quem
está vindo? Não respondo porque não sei. A única coisa de que
tenho certeza é que posso ouvir os passos atrás de nós na
floresta. Posso ouvir alguém que se curva para a frente enquanto
corre, vindo atrás de nós.
— Vamos
— falo mais uma vez para ela.
Chegamos
a um rio e mergulhamos, avançando apressados, na água gelada.
Continuamos.
Sem palavras. Nenhum "por aqui".
Ela
sorri, aliviada.
Não
vejo.
Eu
sei.
Sentamos
bem no fundo de uma caverna, e ouvimos a água pensativa do rio, no
lado de fora, descendo, descendo. Lenta. Real. Consciente.
Ela
cai.
No
sono.
— Está
tudo bem — digo, e eu a sinto nos meus braços. Meus próprios
olhos também tentam dormir, mas não conseguem. Ficam bem abertos
enquanto o tempo gira e o silêncio desce, feito pensamento medido.
Nem consigo mais ouvir o rio.
Quando.
O
vulto aparece na caverna.
Entra
e para.
É
leve.
Nós.
Tem
uma arma.
Observa.
Sorri.
Embora
não possa ver seu rosto, sei que sorri.
— O
que você quer? — pergunto, com medo, mas baixinho para não
acordar a garota nos meus braços.
O
vulto não diz nada. Continua andando. Lento. Hesitante. Não.
Um
som, como se algo se partisse. Da arma que o vulto segura, sobe a
fumaça. Sobe até o rosto dele e o envolve. Ele me diz que uma coisa
horrível aconteceu, e Rebecca Conlon se mexe um pouco no meu colo.
Acende
um fósforo.
Luz.
Olho
para ela.
Sei!
Isso.
Ela
está ferida, sem dúvida, porque vejo sangue pingando do coração
dela. Lento. Real.
Olho
para a frente. O vulto segura o fósforo aceso, e vejo o rosto dele.
Os olhos, os lábios e a expressão são meus.
— Mas
você prometeu — digo, e grito, tentando acordar. Preciso acordar e
saber que nunca a magoaria.
Markus Zusak, in O Azarão
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