quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Hollywood | 38

 


Estivemos lá alguns dias depois para umas tomadas à luz do dia, e logo depois do almoço Jon nos localizou. Ainda não havíamos entrado no bar.
Espere – disse-me Jon –, o fotógrafo Corbell Veeker vai chegar a qualquer momento. Quer fazer umas fotos de você, Jack e Francine. Esse cara é mundialmente conhecido. É famoso pelas fotos de mulheres, realmente dá muito glamour a elas...
Assim, ficamos por ali, no beco atrás do bar. Havia ali uma mistura de luz e sombra. Eu pensava numa longa espera, mas Corbell Veeker chegou em cinco minutos. Tinha seus 55 anos, um rosto inchado, barriga grande. Usava um lenço e uma boina. Trazia dois garotos, ambos com equipamentos. Os garotos pareciam assustados e obedientes.
Fizeram-se as apresentações.
Corbell apresentou seus auxiliares.
Este é David...
Este é Williams...
Os dois deram sorrisos.
Aí chegou Francine.
Ah, ah, ah! – fez Corbell Veeker, ao correr para beijá-la.
Depois recuou.
Ora, ora, ora... Ah! Ah! – balançava os braços. – É isso aí! É!
Haviam jogado no beco um velho sofá escangalhado, que chamou a atenção dele.
Você – olhou para mim –, você, senta ali naquele sofá...
Eu me aproximei e me sentei no sofá.
Agora, Francine, sente no colo dele...
Francine usava um vestido vermelho berrante com a saia aberta do lado. Sapatos vermelhos, meias vermelhas e pérolas brancas. Sentou-se em meu colo. Eu olhei em volta e pisquei para Sarah.
É isso aí! É!
Minha bunda dura está te machucando? – perguntou-me Francine.
Não, está tudo bem. Não se preocupe com isso.
Câmera número QUATRO! – berrou Corbell Veeker.
David acorreu com a câmera número quatro e Corbell passou-a pelo pescoço, caiu sobre um joelho... Houve um clique e um flash...
ÓTIMO! É! É!
Outro clique, outro flash...
É! É!
Clique, flash...
FRANCINE, ME DÊ MAIS PERNA! É ISSO AÍ! É! É!
Clique e flash, clique e flash...
Ele fotografava furiosamente, com paixão...
FILME! FILME! – berrou.
William acorreu com nova carga de filme, inseriu-a na câmera, guardou o filme batido numa caixa especial.
Corbell caiu sobre os dois joelhos, focou, disse:
MERDA, EU NÃO QUERO ESTA CÂMERA! CÂMERA NÚMERO SEIS, POR FAVOR! JÁ! JÁ!
David acorreu com a câmera número seis, afixou-a em Corbell Veeker, e levou a câmera número quatro.
MAIS PERNA, FRANCINE! PARECE BOM! EU TE AMO, FRANCINE. VOCÊ É A ÚLTIMA GRANDE ESTRELA EM HOLLYWOOD!
Clique, flash... Clique, flash... outra vez... e outra vez... e outra vez.
Aí chegou Jack Bledsoe.
JACK, VÁ PRO SOFÁ TAMBÉM! UM DE CADA LADO! É! É!
Clique, flash... clique, flash...
FILME! FILME! – berrava Corbell.
As fotos eram para uma revista colorida feminina de circulação muito grande.
TUDO BEM, VOCÊS, CARAS, DEEM O FORA DO SOFÁ! QUERO FRANCINE SOZINHA!
Ele a fez deitar-se ao comprido, o cotovelo apoiado no braço do sofá, um braço jogado para trás, segurando um longo cigarro. Francine estava adorando.
Clique, clique, flash, flash...
A última grande estrela de Hollywood.
Os garotos acorriam com mais filme, novas câmeras... imagino que eles achavam pior que trabalhar em posto de gasolina.
Aí Corbell viu a cerca de arame.
A CERCA DE ARAME!
Fez Francine recostar-se provocadoramente nela, com Jack Bledsoe de um lado e eu do outro.
ÓTIMO! ÓTIMO!
Adorou a ideia da cerca de arame e fez mais e mais fotos. A cerca deixara-o ligadão. Talvez fosse o pano de fundo atrás da cerca.
Flash, clique, flash, clique...
E então, de repente, acabou.
Muito obrigado a vocês, todo mundo...
Tornou a beijar Francine. Seus garotos se atarefavam embalando coisas, reunindo coisas, numerando coisas. William tinha um caderno de notas e anotava tudo: número da foto, tempo, tema, assunto, câmera e filme usados.
Todo mundo foi embora e Sarah e eu entramos no bar. Os bebuns de sempre estavam lá. Agora eram astros de cinema e haviam desenvolvido uma certa dignidade. Estavam mais calados, como se pensassem em grandes coisas. Eu gostava mais deles do jeito antigo. O filme já estava quase concluído e eu sentia um pouco ter perdido tantos dias de filmagem, mas também, quando se é um apostador dos cavalinhos, tudo mais tem de ceder.
Sarah e eu estávamos indo devagar. Eu pedi uma cerveja e ela um vinho tinto.
Você acha que algum dia fará outro argumento? – ela perguntou.
Duvido. A gente tem de fazer muita porra de concessão. E tem de pensar através do olho da câmera. Será que o público vai entender? E quase tudo irrita ou ofende um público de cinema, enquanto as pessoas que leem romances e contos adoram ser irritadas e insultadas.
Bem, você é bom nisso...
Nesse momento, Jon Pinchot entrou no bar. Sentou-se a meu lado, sorriu para nós.
Filho da puta – disse.
Que é? – perguntou Sarah.
O filme foi cancelado de novo? – eu perguntei.
Não, isso, não... é outra coisa...
Por exemplo?
Jack Bledsoe se recusou a assinar a liberação das fotos que fizemos há pouco...
Quê?
É, um dos garotos de Corbell foi ao reboque dele com os papéis e ele se recusou a assinar a liberação das fotos. Aí Corbell foi lá. A mesma coisa.
Mas por quê? – eu perguntei. – Por que ele se deixou fotografar e depois se recusa a assinar a liberação?
Não sei. Mas ainda podemos usar as fotos de você e Francine. Vocês vão ver a próxima tomada?
Claro...
Eu venho buscar vocês...
Obrigado...
Sarah e eu ficamos sentados pensando no caso. Creio que ela pensava no caso. Quanto a mim, sei que pensava.
Concluí que os atores eram diferentes de nós. Tinham seus próprios motivos. Vocês sabem, quando se passa muitas horas, muitos anos fingindo ser uma pessoa que não se é, bem, isso pode nos causar alguma coisa. Já é duro bastante tentar ser a gente mesmo. Pensem em tentar muito ser alguém que não se é. E depois ser outra pessoa que tampouco se é. E depois outra. A princípio, vocês sabem, pode ser emocionante. Mas depois de algum tempo, depois de a gente ser doze outras pessoas, talvez seja difícil lembrar quem é mesmo, especialmente se a gente teve de compor as próprias falas.
Imaginei que Jack Bledsoe se perdera e concluíra que estavam fotografando outra pessoa, e não ele, e que só lhe restava recusar-se a assinar a liberação. Isso fazia sentido para mim. Decidi explicar a Sarah.
Observei-a servir-se de vinho e acender um cigarro.
Depois pensei, bem, talvez eu explique outra hora, e tomei uma grande golada de minha cerveja, imaginando se iam usar algumas daquelas fotos de Francine sentada com aquela bela bunda dura em meu colo na tal revista feminina colorida…

Charles Bukowski, in Hollywood

Nenhum comentário:

Postar um comentário