terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Escrever

Se há uma coisa que é proibida num texto de saberes são as reticências. As reticências indicam que a caminhada não chegou ao fim. Mostram um caminho a ser seguido. São as reticências que dão vida a uma conversa: elas são a permissão e o convite para que o outro diga os seus pensamentos. Um texto de saber diz o resultado de um processo de pensamento. Uma conversa, ao contrário, é o seu oposto. Um resultado colocaria um fim à conversa. A conversa é um movimento solto do pensamento e da fala – e, à medida que se conversa, pensamentos não pensados vão se intrometendo, mudando o curso da conversa, levando-a para um lado e para outro.
Esse é um importante princípio da minha teoria de aprendizagem, que encontrou forma poética num quase haicai da Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo; quero é fome”. Se o aluno tiver fome, ele descobrirá o queijo e comerá, mesmo que seja necessário roubar e sem o auxílio da faca. Mas, se não tiver fome, será inútil que ele trabalhe numa loja de queijos. O mesmo princípio foi enunciado por gente simples, da roça: “É fácil levar o burro até o ribeirão. O difícil e convencê-lo a beber”. Eu teria de gastar muitas páginas de argumentação científica para dizer isso que digo de forma curta por meio de imagens. Há muitas coisas que a ciência não consegue dizer.

Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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