terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Atrás do motel

Um homem está debaixo de um carro seminu
uma criança brinca de tourada com um pano rasgado
pinheiros enlutados envoltos na névoa
uma mulher fala ao telefone, olha no espelho
brincando com o puxador metálico da gaveta

Ela viu o seu mundo esfregado e limpo, o pano
que o limpou desintegrado na névoa
ou dando o último suspiro na crosta de um espelho
Ela viu sua vida se fechar como uma gaveta
acordou em algum outro lugar, nua

Ele sente sua pele como se ela estivesse na névoa
como se seu rosto se mostrasse em espelho algum
Ele precisa dos parafusos que largou numa gaveta perdida
rasteja para dentro do mundo dos pinheiros com suas mãos
apenas, esfrega sua chave-inglesa com um pano encharcado de óleo

encara a mulher falando no espelho
a qual trancou o telefone na gaveta
enquanto de novo e de novo, com um pano rasgado
na beira do pinheiral atrás do motel depauperado
uma criança provoca a besta chifruda feita de névoa.

Adrienne Rich (tradução de André Caramuru Aubert) 

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