domingo, 11 de fevereiro de 2024

Ainda impossível

Respondi que eu gostaria mesmo era de poder um dia afinal escrever uma história que começasse assim: “Era uma vez...” Para crianças? Perguntaram. Não, para adultos mesmo, respondi já distraída, ocupada em me lembrar de minhas primeiras histórias aos sete anos, todas começando com “era uma vez”. Eu as enviava para a página infantil das quintas-feiras do jornal de Recife, e nenhuma, mas nenhuma mesmo, foi jamais publicada. E mesmo então era fácil de ver por quê. Nenhuma contava propriamente uma história com os fatos necessários a uma história. Eu lia as que eles publicavam, e todas relatavam um acontecimento. Mas se eles eram teimosos, eu também.
Desde então, porém, eu havia mudado tanto, quem sabe agora já estava pronta para o verdadeiro “era uma vez”. Perguntei-me em seguida: e por que não começo? agora mesmo? Será simples, senti eu.
E comecei. No entanto, ao ter escrito a primeira frase, vi imediatamente que ainda me era impossível. Eu havia escrito: “Era uma vez um pássaro, meu Deus.”

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

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