segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Pá, Pá, Pá

A americana estava há pouco tempo no Brasil. Queria aprender o português depressa, por isto prestava muita atenção em tudo que os outros diziam. Era daquelas americanas que prestam muita atenção.
Achava curioso, por exemplo, o “pois é”. Volta e meia, quando falava com brasileiros, ouvia o “pois é”. Era uma maneira tipicamente brasileira de não ficar quieto e ao mesmo tempo não dizer nada. Quando não sabia o que dizer, ou sabia mas tinha preguiça, o brasileiro dizia “pois é”. Ela não aguentava mais o “pois é”.
Também tinha dificuldade com o “pois sim” e o “pois não”. Uma vez quis saber se podia me perguntar uma coisa.
Pois não – disse eu, polidamente.
É exatamente isso! O que quer dizer “pois não”?
Bom. Você me perguntou se podia fazer uma pergunta. Eu disse “pois não”.
Quer dizer, “pode, esteja à vontade, estou ouvindo, estou às suas ordens...”
Em outras palavras, quer dizer “sim”.
É.
Então por que não se diz “pois sim”?
Porque “pois sim” quer dizer “não”.
O quê?!
Se você disser alguma coisa que não é verdade, com a qual eu não concordo, ou acho difícil de acreditar, eu digo “pois sim”.
Que significa “pois não”?
Sim. Isto é, não. Porque “pois não” significa “sim”.
Por quê?
Porque o “pois”, no caso, dá o sentido contrário, entende? Quando se diz “pois não”, está-se dizendo que seria impossível, no caso, dizer “não”. Seria inconcebível dizer “não”. Eu dizer não? Aqui, ó.
Onde?
Nada. Esquece. Já “pois sim” quer dizer “ora, sim!”. “Ora se aceitar isso.” “Ora, não me faça rir. Rã, rã, rã.”
– “Pois” quer dizer “ora”?
Ahn... Mais ou menos.
Que língua!
Eu quase disse: “E vocês, que escrevem ‘tough’ e dizem ‘tâf'’?”, mas me contive. Afinal, as intenções dela eram boas. Queria aprender. Ela insistiu:
Seria mais fácil não dizer o “pois”.
Eu já estava com preguiça.
Pois é.
Não me diz “pois é”!
Mas o que ela não entendia mesmo era o “pá, pá, pá”.
Qual o significado exato de “pá, pá, pá”.
Como é?
– “Pá, pá, pá”.
– “Pá” é . “Shovel”. Aquele negócio que a gente pega assim e...
– “Pá” eu sei o que é. Mas “pá” três vezes?
Onde foi que você ouviu isso?
É a coisa que eu mais ouço. Quando brasileiro começa a contar história, sempre entra o “pá, pá, pá”.
Como que para ilustrar nossa conversa, chegou-se a nós, providencialmente, outro brasileiro. E um brasileiro com história:
Eu estava ali agora mesmo, tomando um cafezinho, quando chega o Túlio.
Conversa vai, conversa vem e coisa e tal e pá, pá, pá... Eu e a americana nos entreolhamos.
Funciona como reticências – sugeri eu. – Significa, na verdade, três pontinhos. “Ponto, ponto, ponto.”
Mas por que “pá” e não “pó”? Ou “pi” ou “pu”? Ou “et cétera”?
Me controlei para não dizer – “E o problema dos negros nos Estados Unidos?”.
Ela continuou:
E por que tem que ser três vezes?
Por causa do ritmo. “Pá, pá, pá.” Só “pá, pá” não dá.
E por que “pá”?
Porque sei lá – disse, didaticamente.
O outro continuava sua história. História de brasileiro não se interrompe facilmente.
E aí o Túlio com uma lengalenga que vou te contar. Porque pá, pá, pá...
É uma expressão utilitária – intervim. – Substitui várias palavras (no caso toda a estranha história do Túlio, que levaria muito tempo para contar) por apenas três. É um símbolo de garrulice vazia, que não merece ser reproduzida. São palavras que...
Mas não são palavras. São só barulhos. “Pá, pá, pá.”
Pois é – disse eu.
Ela foi embora, com a cabeça alta. Obviamente desistira dos brasileiros. Eu fui para o outro lado. Deixamos o amigo do Túlio papeando sozinho.

Luís Fernando Veríssimo, in Comédias Para se Ler na Escola

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