sábado, 16 de setembro de 2023

Cartas na Rua | DOIS


11

Após nove ou dez horas, as pessoas começavam a ficar sonolentas e caíam sobre suas caixas, voltando a si mesmas bem a tempo. Organizávamos a correspondência por zonas. Se uma carta fosse da zona 28, você a enfiava no buraco nº 28. Era simples.
Um sujeito negro e grande pulava e balançava os braços para se manter acordado. Cambaleava de lá para cá.
Caralho! Não aguento mais! — ele dizia.
E ele era um brutamontes. Usar os mesmos músculos repetidas vezes era muito exaustivo. Meu corpo doía dos pés à cabeça. E ao fim da ala ficava um supervisor, outro Stone, e ele tinha aquele olhar — eles devem praticá-lo na frente do espelho, todos os supervisores tinham aquele olhar no rosto — olhavam para você como se você não passasse de um grande pedaço de merda humana. No entanto, eles tinham entrado pela mesma porta. Um dia tinham sido atendentes ou carteiros. Eu não conseguia entender aquilo. Eram uns filhos da puta escolhidos a dedo.
Você tinha que manter um dos pés o tempo inteiro no chão. O outro apoiado na barra de descanso. O que chamavam de “barra de descanso” era uma pequena almofada redonda armada sobre um suporte. Não era permitido conversar. Dois intervalos de dez minutos em oito horas. Anotavam a hora em que você saía e a hora em que retornava. Se demorasse doze ou treze minutos, era melhor preparar os ouvidos.
Mas o salário era melhor do que na loja de materiais de arte. E, pensei, talvez eu me acostumasse a isso.
Nunca me acostumei.

12

Então o supervisor nos transferiu para uma nova ala. Estávamos lá havia dez horas.
Antes de começarem — disse o supervisor —, quero dizer uma coisa a vocês. Cada pacote desse tipo de correspondência tem que estar pronto em 23 minutos. Esse é o cronograma de produção. Agora, apenas por diversão, vamos ver se cada um de nós consegue acompanhar o cronograma! Agora, um, dois, três... JÁ!
Mas que porra é essa?, pensei. Estou cansado.
Cada pacote tinha sessenta centímetros. Mas cada um tinha diferentes quantidades de cartas. Alguns tinham duas ou três vezes mais cartas do que outros, dependendo do tamanho das cartas.
Braços começaram a voar. Medo do fracasso.
Não me apressei.
Quando terminarem o primeiro pacote, apanhem outro!
Eles realmente se empenhavam. Aí se endireitavam e apanhavam outro pacote.
O supervisor veio caminhando por trás de mim:
Vejam, este homem, sim, está produzindo. Já está na metade do segundo pacote!
Era o meu primeiro. Não sabia se ele estava tirando uma com minha cara ou não, mas, como eu estava bem à frente dos outros, diminuí meu ritmo um pouquinho mais.

13

Às três e meia da manhã minhas doze horas terminaram. Naquela época, não pagavam os substitutos por tempo, nem o adicional por cada hora extra. Você só recebia pelo turno. E você era contratado como “atendente substituto por tempo indefinido”.
Coloquei o alarme para despertar de forma que estivesse na loja às oito da manhã.
O que aconteceu, Hank? Pensamos que você pudesse ter sofrido um acidente de carro! Ficamos esperando você voltar.
Estou me demitindo.
Está se demitindo?
É, não se pode culpar um homem por querer melhorar de vida.
Entrei no escritório e peguei meu cheque. Eu estava mais uma vez de volta aos Correios.

14

Enquanto isso, ainda havia Joyce, os seus gerânios e alguns milhões, se eu conseguisse aguentar. Joyce e as moscas e os gerânios. Eu trabalhava no turno da noite, doze horas, e ela me incomodava o dia inteiro, tentando me arrancar uma performance. Eu estava dormindo e súbito acordava com aquela mão me batendo uma punheta. Então era obrigado a fazer a coisa. A queridinha era uma doida varrida.
Então cheguei em casa uma manhã e ela disse:
Hank, não fique brabo!
Eu estava cansado demais para ficar brabo.
O que está pegando, baby?
Arrumei um cachorro para nós. Um filhotinho.
Tudo bem, não se preocupe. Não há nada de errado com cachorros. Onde ele está?
Na cozinha. Resolvi chamar ele de “Picasso”.
Entrei e dei uma olhada no cão. Ele não podia ver. Pelos cobriam os olhos. Fiquei olhando-o andar. Então o peguei e olhei para seus olhos. Pobre Picasso!
Baby, você tem ideia do que fez?
Não foi com a cara dele?
Não é isso. É que ele é retardado. Deve ter um Q.I. por volta de doze. Você saiu e nos arranjou um cachorro débil mental.
Como você sabe disso?
Dá para dizer só de olhar para ele.
De repente Picasso começou a fazer xixi. Picasso fazia um monte de xixi. Corria em longos e grossos córregos amarelos pelo chão da cozinha. Então Picasso acabou, correu e ficou olhando para aquilo.
Eu o apanhei:
Limpe tudo.
De modo que Picasso era apenas mais um problema.
Após uma noitada de doze horas com Joyce me burilando debaixo dos gerânios, eu acordava e dizia:
Onde está o Picasso?
O Picasso que se foda! — ela respondia.
Eu saía da cama, nu, e avançava com o pau duro:
Veja, você deixou o bicho mais uma vez no pátio! Eu já disse para você não deixá-lo do lado de fora durante o dia!
Então eu saía para o pátio dos fundos, pelado, cansado demais para me vestir. O lugar era bem protegido. E lá estava o pobre do Picasso, coberto por quinhentas moscas, moscas revoando sobre todo o seu corpo. Eu corria com o pau de fora (agora já frouxo), e amaldiçoava aquelas moscas. Elas estavam dentro dos olhos dele, debaixo dos pelos, nas orelhas, nas partes íntimas, na boca... em toda parte. E ele simplesmente ficava ali sentado, rindo para mim. Ria para mim enquanto as moscas o comiam vivo. Talvez ele soubesse de alguma coisa que desconhecíamos. Peguei-o e o levei para dentro de casa.
O cachorrinho riu
Ao ver tanto esforço
E o prato escapuliu com a colher.
Mas que diabos, Joyce! Já te disse isso mais de um milhão de vezes.
Bem, foi você que disse que ele tem que sair, que tem que ir lá fora para cagar!
Sim, mas quando ele acabar, traga-o de volta. Ele não tem capacidade para voltar por si mesmo. E se livre do cocô quando ele terminar. Você está criando um paraíso para as moscas lá fora.
Depois, tão logo eu caía no sono, Joyce começava a me excitar novamente. Aqueles milhões não chegavam nunca.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

Nenhum comentário:

Postar um comentário