Navegaram
muito mar e tempo e estão fartos de calores, selvas e mosquitos.
Cumprem, mesmo assim, as instruções do rei: não se pode atacar os
índios sem requerer, antes, sua submissão. Santo Agostinho autoriza
a guerra contra os que abusam de sua liberdade, porque em sua
liberdade perigariam não sendo domados; mas bem diz São Isidoro que
nenhuma guerra é justa sem prévia declaração.
Antes
de lançar-se sobre o ouro, os grãos de ouro talvez grandes como
ovos, o advogado Martin Fernández de Enciso lê com pontos e
vírgulas o ultimato que o intérprete, aos tropeços, demorando-se
na entregas vai traduzindo.
Enciso
fala em nome do rei don Fernando e da rainha dona Juana sua filha,
domadores das gentes bárbaras. Faz saber aos índios do Sinú que
Deus veio ao mundo e deixou em seu lugar São Pedro, que São Pedro
tem por sucessor o Santo Padre e que o Santo Padre, Senhor do
Universo, fez mercê ao rei de Castilha de toda a terra das Índias e
desta península.
Os
soldados se assam nas armaduras. Enciso, letra miúda e sílaba
lenta, requer dos índios que deixem estas terras, pois não lhes
pertencem, e adverte que se quiserem ficar para viver aqui, que
paguem a Suas Altezas tributo de ouro em sinal de obediência. O
intérprete faz o que pode.
Os
dois caciques escutam em silêncio, sem pestanejar, o estranho
personagem que lhes anuncia que em caso de negativa ou demora lhes
fará a guerra, e que os converterá em escravos e também suas
mulheres e seus filhos e como tais os venderá e disporá deles, e
que as mortes e danos desta guerra justa não serão culpa dos
espanhóis.
Respondem
os caciques, sem olhar para Enciso, que muito generoso com o alheio
foi o Santo Padre, que bêbado devia estar quando dispôs do que não
era seu, e que o rei de Castilha é um atrevido, porque vem ameaçar
a quem não conhece.
Então,
corre o sangue.
De
agora em diante, o longo discurso será lido em plena noite, sem
intérprete e a meia légua das aldeias que serão arrasadas de
surpresa. Os indígenas, adormecidos, não escutarão as palavras que
os declaram culpados pelos crimes cometidos contra eles.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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