quinta-feira, 13 de julho de 2023

1506 – Tenochtitlán | O Deus universal

Montezuma venceu em Teuctepec.
Nos adoratórios, ardem os fogos. Ressoam os tambores. Um atrás do outro, os prisioneiros sobem as arquibancadas até a pedra redonda do sacrifício. O sacerdote crava-lhes no peito o punhal de pedra, ergue o coração em uma das mãos e mostra-o ao sol que brota dos vulcões azuis.
A que deus oferece o sangue? O sol o exige, para nascer cada dia e viajar de um horizonte ao outro. Mas as ostentosas cerimônias da morte também servem a outro deus, que não aparece nos códices nem nas canções.
Se esse deus não reinasse sobre o mundo, não haveria escravos nem amos, nem vassalos, nem colônias. Os mercadores astecas não poderiam arrancar dos povos submetidos um diamante a troco de um feijão, nem trocar uma esmeralda por um grão de milho, nem ouro por guloseimas, nem cacau por pedras. Os carregadores não atravessariam a imensidão do império em longas filas, levando nas costas toneladas de tributos. O povo ousaria vestir túnicas de algodão e beberia chocolate e teria a audácia de mostrar proibidas plumas de quetzal e pulseiras de ouro e magnólias e orquídeas reservadas aos nobres. Cairiam, então, as máscaras que ocultam os rostos dos chefes guerreiros, o bico da águia, os dentes do tigre, os penachos de plumas que ondulam e brilham no ar.
Estão manchadas de sangue as escadarias do templo maior e os crânios se acumulam no centro da praça. Não somente para que se mova o sol, não: também para que esse deus secreto decida no lugar dos homens. Em homenagem ao mesmo deus, do outro lado do mar os inquisidores fritam os hereges nas fogueiras ou os retorcem nas câmaras de tormento. É o Deus do Medo. O Deus do Medo, que tem dentes de rato e asas de urubu.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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