Em
1979, a “abertura lenta, gradual e segura”, iniciada três anos
antes no governo Geisel, prosseguia a passos de tartaruga, conduzida
pelo general-presidente João Figueiredo, que, em 28 de agosto,
depois de grandes mobilizações populares que se alastraram pelo
Brasil, finalmente assinou a Lei da Anistia. Mas a canção que
acabou se tornando o seu hino se revelava premonitória, lançada
dois meses antes por Elis Regina, no álbum Essa mulher.
“O
bêbado e a equilibrista” também é um exemplo da maestria
atingida pela dupla João Bosco (1946) e Aldir Blanc (1946). No
ínicio de 1978, ainda abalado com a morte de Charlie Chaplin no
Natal anterior, Bosco mostrou ao parceiro a composição em que vinha
trabalhando. Aldir sugeriu que a letra avançasse além da homenagem
ao artista e ampliasse o tema para o Brasil. Partindo da estrutura
dos sambas-enredo, trocaram o habitual tom épico pelo lírico, com
grande apelo emocional e fortes imagens poéticas, eternizando um
momento de transição na vida brasileira.
O
verso de abertura, o incompreensível “Caía a tarde feito um
viaduto”, típico da ironia amarga do letrista, anunciava o clima
tenso daqueles tempos usando como metáfora o desabamento, em
novembro de 1971, de parte do viaduto Paulo de Frontin, na Tijuca,
matando dezenas de pessoas. Como contraponto aos temas sombrios, a
música de Bosco cita a nostálgica melodia de “Smile”, composta
para o filme Tempos modernos por Chaplin, que tem seu
principal personagem lembrado logo em seguida:
“E
um bêbado trajando luto / Me lembrou Carlitos.”
Com
“O bêbado e a equilibrista”, Bosco e Blanc construíram um
quadro do sufoco vivido pelos brasileiros com as mensagens de
esperança da anistia. Também misturaram personagens simbólicos e
figuras reais, mas anônimas para muitos até então. O “irmão do
Henfil”, representando tantos brasileiros exilados, era o sociólogo
Betinho (Herbert de Souza), que, meses depois, pôde voltar e
contribuir para a redemocratização do país, criando importantes
organizações de combate à fome. O verso “choram Marias e
Clarices” é referência a duas viúvas de vítimas da ditadura,
Maria, mulher do operário Manuel Fiel Filho, e Clarice, do
jornalista Vladimir Herzog, ambos assassinados no DOI-CODI, em São
Paulo.
Com
a volta dos exilados, “O bêbado e a equilibrista” se tornou um
hit no aeroporto do Galeão, todos os dias cantada aos gritos
enquanto os amigos carregavam nos ombros os que retornavam.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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