quinta-feira, 13 de julho de 2023

O bêbado e a equilibrista | João Bosco e Aldir Blanc, 1979


Em 1979, a “abertura lenta, gradual e segura”, iniciada três anos antes no governo Geisel, prosseguia a passos de tartaruga, conduzida pelo general-presidente João Figueiredo, que, em 28 de agosto, depois de grandes mobilizações populares que se alastraram pelo Brasil, finalmente assinou a Lei da Anistia. Mas a canção que acabou se tornando o seu hino se revelava premonitória, lançada dois meses antes por Elis Regina, no álbum Essa mulher.
O bêbado e a equilibrista” também é um exemplo da maestria atingida pela dupla João Bosco (1946) e Aldir Blanc (1946). No ínicio de 1978, ainda abalado com a morte de Charlie Chaplin no Natal anterior, Bosco mostrou ao parceiro a composição em que vinha trabalhando. Aldir sugeriu que a letra avançasse além da homenagem ao artista e ampliasse o tema para o Brasil. Partindo da estrutura dos sambas-enredo, trocaram o habitual tom épico pelo lírico, com grande apelo emocional e fortes imagens poéticas, eternizando um momento de transição na vida brasileira.
O verso de abertura, o incompreensível “Caía a tarde feito um viaduto”, típico da ironia amarga do letrista, anunciava o clima tenso daqueles tempos usando como metáfora o desabamento, em novembro de 1971, de parte do viaduto Paulo de Frontin, na Tijuca, matando dezenas de pessoas. Como contraponto aos temas sombrios, a música de Bosco cita a nostálgica melodia de “Smile”, composta para o filme Tempos modernos por Chaplin, que tem seu principal personagem lembrado logo em seguida:
E um bêbado trajando luto / Me lembrou Carlitos.”
Com “O bêbado e a equilibrista”, Bosco e Blanc construíram um quadro do sufoco vivido pelos brasileiros com as mensagens de esperança da anistia. Também misturaram personagens simbólicos e figuras reais, mas anônimas para muitos até então. O “irmão do Henfil”, representando tantos brasileiros exilados, era o sociólogo Betinho (Herbert de Souza), que, meses depois, pôde voltar e contribuir para a redemocratização do país, criando importantes organizações de combate à fome. O verso “choram Marias e Clarices” é referência a duas viúvas de vítimas da ditadura, Maria, mulher do operário Manuel Fiel Filho, e Clarice, do jornalista Vladimir Herzog, ambos assassinados no DOI-CODI, em São Paulo.
Com a volta dos exilados, “O bêbado e a equilibrista” se tornou um hit no aeroporto do Galeão, todos os dias cantada aos gritos enquanto os amigos carregavam nos ombros os que retornavam.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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