terça-feira, 20 de junho de 2023

Cartas na Rua | 14

Mais uma vez eu estava em uma nova rota. O Stone sempre me colocava em rotas difíceis, mas de vez em quando, dadas as circunstâncias das coisas, era obrigado a me deslocar em uma menos mortífera. A rota 511 era uma barbadinha, e lá estava eu pensando novamente em almoçar, o almoço que nunca vinha.
Era um bairro residencial, boa vizinhança. Sem apartamentos. Apenas casas e mais casas com belos gramados. Mas era uma rota nova e eu ia por ali me perguntando onde estaria a armadilha. Até o tempo estava agradável.
Por Deus, pensei, desta vez vou conseguir! Almoço e volto ainda a tempo de cumprir o cronograma! A vida, enfim, era suportável!
Essas pessoas não tinham nem cachorros. Ninguém parava do lado de fora esperando a sua carta. Passavam-se horas sem que uma voz humana fosse ouvida. Talvez eu tivesse atingido a minha maturidade postal, o que quer que isso significasse. Eu avançava, eficiente, quase tomado pela dedicação ao trabalho.
Lembrei-me de um dos carteiros mais velhos apontando para o próprio coração e me dizendo:
Chinaski, um dia esse negócio vai te pegar, pegar bem aqui!
Ataque cardíaco?
Dedicação ao serviço. Você verá. Sentirá orgulho dele.
Bobagem!
Mas o homem tinha sido sincero.
Pensava nele enquanto caminhava.
Então surgiu essa carta registrada que precisava ser assinada.
Avancei e toquei a campainha. Uma janelinha se abriu na porta. Não consegui ver o rosto que estava do outro lado.
Carta registrada!
Para trás! — disse uma voz de mulher. — Para trás para que eu possa ver o seu rosto!
Bem, pensei, aí está, mais uma louca.
Olhe, dona, a senhora não precisa ver o meu rosto. Deixarei este canhoto na caixa de correspondência, e a senhora pode apanhar a sua carta lá no posto. Leve um documento de identidade.
Deixei o canhoto na caixa e fui me afastando da varanda.
A porta se abriu e ela avançou correndo. Usava uma dessas camisolas transparentes, sem sutiã. E mais uma calça azul-escura. Seu cabelo estava despenteado e arrepiado, como se os fios quisessem fugir da cabeça. Parecia haver algum tipo de creme em seu rosto, especialmente sob os olhos. A pele de seu corpo era branca como se o sol nunca a tivesse tocado, e seu rosto tinha um ar doentio. A boca pendia aberta. Usava um pouco de batom, e era bem feita de cima a baixo...
Percebi tudo isso enquanto ela corria na minha direção. Já estava enfiando a carta registrada de volta no malote.
Ela gritou:
Me dê a minha carta!
Eu disse:
A senhora terá que...
Ela agarrou a carta e correu até a porta e entrou correndo.
Caralho! Você não podia retornar sem a carta registrada ou ao menos sem a assinatura! Era preciso inclusive um registro posterior da minha parte, dando baixa da entrega.
EI!
Fui atrás dela e meti o pé na porta bem a tempo.
EI! VÁ À MERDA!
Vá embora! Vá embora! Você é um homem mau!
Veja, dona! Tente entender! A senhora precisa assinar o recibo. Não posso deixar que fique com ela assim! Está roubando os Correios dos Estados Unidos!
Vá embora, homem mau!
Lancei todo o meu peso contra a porta e irrompi sala adentro. Estava escuro por ali. Todas as persianas estavam baixadas. Todas as persianas da casa estavam baixadas.
O SENHOR NÃO TEM DIREITO DE ENTRAR NA MINHA CASA! SAIA!
E a senhora não tem direito de roubar os Correios! Ou devolve a carta ou terá de assinar o recibo. Depois disso, eu vou embora.
Está bem! Está bem! Eu assinarei!
Mostrei a ela onde assinar e lhe estendi uma caneta.
Olhei para os peitos e para o resto do corpo e pensei “que pena que seja louca, que pena, que pena”.
Ela me devolveu a caneta e o recibo assinado — apenas um rabisco. Abriu a carta e começou a ler, enquanto eu me virava para sair.
Então correu até a porta, os braços abertos em cruz. A carta tinha ido parar no chão.
Cretino! Cretino! Você veio aqui me estuprar!
Olhe, dona, preciso ir.
A MALDADE ESTÁ ESCRITA NA SUA CARA!
E a senhora acha que eu não sei disso? Agora deixe eu sair!
Com uma das mãos tentei afastá-la para o lado. Cravou as unhas em um dos lados do meu rosto com gosto. Deixei o malote cair, meu quepe escorregou, e, enquanto pegava um lenço para estancar o sangue, ela voltou a avançar, arranhando-me a outra face.
SUA PUTA! QUE DIABOS HÁ COM VOCÊ?
Viu só? Viu só? Você é um estuprador de merda!
Ela estava quase em cima de mim. Agarrei seu rabo e comecei a beijá-la. Os peitos colados em mim, todo o seu corpo contra o meu. Ela recuou a cabeça e afastou-a de mim:
Estuprador! Estuprador! Estuprador de merda!
Inclinei a cabeça e com a boca alcancei um dos peitos, depois segui para o outro.
Estupro! Estupro! Estou sendo estuprada!
Ela estava certa. Baixei suas calças, abri o meu zíper, meti nela, e fomos andando de costas até o sofá. Caímos bem no meio dele.
Ela ergueu bem alto as pernas!
ESTUPRO! — gritou.
Trepei com ela até gozar, fechei o zíper, apanhei o malote e saí enquanto ela olhava silenciosa para o teto…

Eu tinha perdido o almoço, mas nem assim consegui cumprir o cronograma.
Você está quinze minutos atrasado — disse O Stone. Não lhe disse nada.
Stone olhou para mim.
Por Deus, o que houve com seu rosto? — perguntou.
O que houve com o seu? — devolvi-lhe a pergunta.
O que você quer dizer?
Esqueça!

Charles Bukowski, in Cartas na Rua 

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