Antes de ter submetido meu livro de história infantil ao editor João Rui Medeiros, da José Álvaro Editora, fiz um teste com uma criança de cinco anos, outra de sete, outra de dez e a quarta de 12 anos, todas reunidas num só grupo. A leitura foi feita por um amigo meu que lê bem. Minha história sobre um coelho pensante tocou as quatro idades de modo diverso, e a leitura era frequentemente interrompida por sugestões e perguntas. A menina de cinco anos, que era mais linda que o coelho, interessou-se estritamente pelo mistério da fuga do animal. Interrompeu o ledor para dizer-lhe em segredo ao ouvido que o coelho tinha patas tão fortes que levantava sozinho o tampo de ferro de sua casinhola e o recolocava no lugar. Passou depois dias desenhando coelhos, e um deles saiu tão bom que foi pendurado no quadro-negro, e de honra, da escola. O menino de sete anos andava na época com problemas, tanto que a mãe recebia recados da professora da escola de que ele andava revoltado. Logo no início da história, interrompeu com desdém: “Esse coelho é de papel e usa óculos.” Ora, ele é que estava ultimamente usando óculos, e também identificando a falsidade de sua situação com a ideia de um coelho meramente de papel. O menino de dez anos ouviu com a maior atenção e deu várias soluções, todas viáveis e inteligentes, para a fuga do coelho. O menino de 12 anos nada falou: era o filho da empregada e não ousava manifestar-se. Seus olhos porém brilhavam e de vez em quando ele trocava sorrisos com o menino de dez anos. Para mim valeu por uma noite de autógrafos mais real que as reais: a comunicação se fez, sentimo-nos unidos pelo coelho pensante, pelo calor mútuo, pela liberdade sem medo. Esqueci que eu escrevera a história e entrei completamente no jogo. O que também aconteceu com outros adultos presentes. As noites de autógrafos deviam ser assim.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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