Eu
estava sentado no único vaso de guerra disponível lá em casa,
meditando sobre o cocô no Iraque e o papel do Bush – o único
papel que suja ao invés de limpar – quando o telefone impôs o
encerramento dos trabalhos.
– Alonso!
– Folheando
meu caderno de notas, encontrei teu endereço, resolvi telefonar...
Era
o “Xarazinho”, dono da mais completa frota de táxis da Muda
(meio fusca) .
– Qualé,
Xarazinho? Não me chamo Elizabeth, pô.
– Seguinte,
Blanc: apareceu aqui, no ponto de bicho, uma ave rara.
– Deu
pavão?
– Antes
fosse. A gente levou Sucuri e Ariranha, dois repentistas, amigos do
seu Coelho, pra fazer uma fezinha antes do mocotó, e apareceu um
major aerotransportável contando história de caçada. Vem pra cá
que estamos precisando de um detector de mentira…
– Xarazinho...
– Fala,
meu louro.
– Só
pra confirmar a mensagem: repentista, mocotó, major e história de
caçada. Tem certeza? Câmbio!
– Mais
certo que rombo na Previdência.
– Cumpadre,
não perco isso de jeito nenhum. E pode anotar: um barão na milhar
1333, cercado pelos sete. E compra um maço de baixos teores pro
ofídeo.
– Não
saquei.
– Xarazinho,
a cobra vai fumar. Câmbio e desligo. Quando cheguei na mais bela
esquina da Muda, a Comissão de Alto Nível (alcoólico), tudo de
copo na mão, ouvia o revolucionário major aerotransportável, o
qual trajava curioso pupurri de adereços da adidas com uniforme de
campanha, enorme binóculos a tiracolo e gaiola de curió na mão
esquerda. Diga-se a bem da mentira que o curió usava coturno e
bibico, obedecia à ordem de “cobrir” e chilreava corretamente a
“Canção do Ordenança”. O major esbanjava munição:
– A
glande opaca da canoa neolítica deflorava o hímen do chavascal!
– Peralá,
majó! Esquece o Abi-Ackel e fala em brasilês mermo.
– Isso.
Tu tava com a boca na chavasca...
– Cheia
de cabelo, hê, hê...
– Porque
não deste um tiro na grande paca?
– Eu
falei glande opaca!
– E
eu sei lá que diabo é isso?!?
– Seu
Coelho traduziu:
– É
uma espécie de capivara...
A
palavra volta ao comando do major:
– Eu,
pronto para entrar em ação, dormia na pontaria, quando um ruído
estranho me acordou: CHULAP! CHULAP! CHULAP!
– Hiii,
caceta! Jacaré no pedaço?
– Não,
era o Otávio Ribeiro dando tapa na cara de peixe-boi. Fui em frente.
Nisso, a vegetação ribeirinha se abriu num farfalhar de anáguas
verdes e o bichão pulou pra dentro da canoa.
– Putz!
Era grande?
– O
maior canguru que eu vi em minha vida de caçador.
Mandou
dois jabs curtos e um cruzado de direita. Minhas esquivas
funcionaram, mas eu sabia que não ia dar pra aguentar muito tempo.
Afinal, eu não lutava boxe desde o primeiro casamento. Entrei em
clinche. O desgraçado do canguru imitou a voz do Jaime Ferreira
gritando “separa!” e me atingiu abaixo da linha da cintura. Vi
quatro estrelas e senti que estava perdido. Uma ideia desesperada me
ocorreu das profundezas da dor nos ovos. Gritei: Olha o Maluf! Olha o
Maluf! Assustado, o paquiderme...
– Paquiderme?!
Canguru é paquiderme?!?
– Perdão.
Como eu ia dizendo, assustado, o batráquio australiano meteu as
patas na bolsa pra conferir a grana e eu dei com o remo na cabeça do
bruto.
Nem
quando Abreu Sodré banca o bom caráter pinta maior constrangimento.
Neguinho se coçava, balançava a cabeça, cuspia de banda, assoviava
tango. Aí, uma viola ponteou e um dos repentistas, o Sucuri, partiu
pra forra:
“Nem
ronco brabo de onça, nem do jacaré o esturro, soam mais feio do que
mentira em boca de burro”.
O
curió gritou:
– Epa!
Olha o revanchismo!
O
clima fica torto.
Clodoaldo
Aldo Alves me cutucou e recebeu o Caboclo Deixa-Disso:
– Meu
caro major, conta outra de suas espetaculares aventuras na arte da
caça.
Apelar
pra verdade dos home às vezes dá certo. O major limpou a goela com
uma talagada de “Monte Cassirio” (meio copo de cerveja, uma dose
de Martini, uma dose de stanheiger becosa, uma dose de gin, uma dose
de pitu. Bata bem e saia de perto). Vendo que tava pra desembarcar
outra força-tarefa de lorotas, Ariranha pediu licença pra ir no
“quartinho”. O major reabriu o teatro de operações:
– A
glande opaca da canoa neolítica deflorava o hímen do chavascal!
– Pelarnordeus!
Perece aquelas babaquices do Amaral Neto!
– Avistamos
uma ilhota a estibordo. Demos uma paradinha para fazer xixi. Ouvimos
a estridência de uma araponga, um alerta- para o perigo que se
avizinhava.
– Tu
fala com Araponga, Xará? Eu, hein! Que qui ela te disse?
O
major arregalou os olhos e, com uma expressão de Vincent Price de
subúrbio, botou a boca no clarim:
– FOGO
NESSAS COBRA!
– Que
araponga alarmista, malandro!
E
o major, firme no posto:
– FOGO
NESSAS COBRA!
Escondeu-se
atrás da jaqueira majestosa e sacou o 45. Por incrível que pareça,
duas formas coleantes avançavam na direção do grande caçador. O
suspense foi quebrado pela voz de Ariranha:
– Se
atirar nas minha solitária com essa parabelum, sangro vosmicê na
ponta da peixeira. Yolanda! Adelina! Voltem pro papai!
O
major fungou e bateu em retirada.
Ao
som, a voz de Sucuri:
“ As
solitária que eu tenho são dois bom fiscal da Lei.
Uma
se chama José e a outra chama Sarney...”
Ê-hê,
é verdade! Cantá presse povo bão, sô!
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo
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