domingo, 22 de janeiro de 2023

Revanchismo

Eu estava sentado no único vaso de guerra disponível lá em casa, meditando sobre o cocô no Iraque e o papel do Bush – o único papel que suja ao invés de limpar – quando o telefone impôs o encerramento dos trabalhos.
Alonso!
Folheando meu caderno de notas, encontrei teu endereço, resolvi telefonar...
Era o “Xarazinho”, dono da mais completa frota de táxis da Muda (meio fusca) .
Qualé, Xarazinho? Não me chamo Elizabeth, pô.
Seguinte, Blanc: apareceu aqui, no ponto de bicho, uma ave rara.
Deu pavão?
Antes fosse. A gente levou Sucuri e Ariranha, dois repentistas, amigos do seu Coelho, pra fazer uma fezinha antes do mocotó, e apareceu um major aerotransportável contando história de caçada. Vem pra cá que estamos precisando de um detector de mentira…
Xarazinho...
Fala, meu louro.
Só pra confirmar a mensagem: repentista, mocotó, major e história de caçada. Tem certeza? Câmbio!
Mais certo que rombo na Previdência.
Cumpadre, não perco isso de jeito nenhum. E pode anotar: um barão na milhar 1333, cercado pelos sete. E compra um maço de baixos teores pro ofídeo.
Não saquei.
Xarazinho, a cobra vai fumar. Câmbio e desligo. Quando cheguei na mais bela esquina da Muda, a Comissão de Alto Nível (alcoólico), tudo de copo na mão, ouvia o revolucionário major aerotransportável, o qual trajava curioso pupurri de adereços da adidas com uniforme de campanha, enorme binóculos a tiracolo e gaiola de curió na mão esquerda. Diga-se a bem da mentira que o curió usava coturno e bibico, obedecia à ordem de “cobrir” e chilreava corretamente a “Canção do Ordenança”. O major esbanjava munição:
A glande opaca da canoa neolítica deflorava o hímen do chavascal!
Peralá, majó! Esquece o Abi-Ackel e fala em brasilês mermo.
Isso. Tu tava com a boca na chavasca...
Cheia de cabelo, hê, hê...
Porque não deste um tiro na grande paca?
Eu falei glande opaca!
E eu sei lá que diabo é isso?!?
Seu Coelho traduziu:
É uma espécie de capivara...
A palavra volta ao comando do major:
Eu, pronto para entrar em ação, dormia na pontaria, quando um ruído estranho me acordou: CHULAP! CHULAP! CHULAP!
Hiii, caceta! Jacaré no pedaço?
Não, era o Otávio Ribeiro dando tapa na cara de peixe-boi. Fui em frente. Nisso, a vegetação ribeirinha se abriu num farfalhar de anáguas verdes e o bichão pulou pra dentro da canoa.
Putz! Era grande?
O maior canguru que eu vi em minha vida de caçador.
Mandou dois jabs curtos e um cruzado de direita. Minhas esquivas funcionaram, mas eu sabia que não ia dar pra aguentar muito tempo. Afinal, eu não lutava boxe desde o primeiro casamento. Entrei em clinche. O desgraçado do canguru imitou a voz do Jaime Ferreira gritando “separa!” e me atingiu abaixo da linha da cintura. Vi quatro estrelas e senti que estava perdido. Uma ideia desesperada me ocorreu das profundezas da dor nos ovos. Gritei: Olha o Maluf! Olha o Maluf! Assustado, o paquiderme...
Paquiderme?! Canguru é paquiderme?!?
Perdão. Como eu ia dizendo, assustado, o batráquio australiano meteu as patas na bolsa pra conferir a grana e eu dei com o remo na cabeça do bruto.
Nem quando Abreu Sodré banca o bom caráter pinta maior constrangimento. Neguinho se coçava, balançava a cabeça, cuspia de banda, assoviava tango. Aí, uma viola ponteou e um dos repentistas, o Sucuri, partiu pra forra:
Nem ronco brabo de onça, nem do jacaré o esturro, soam mais feio do que mentira em boca de burro”.
O curió gritou:
Epa! Olha o revanchismo!
O clima fica torto.
Clodoaldo Aldo Alves me cutucou e recebeu o Caboclo Deixa-Disso:
Meu caro major, conta outra de suas espetaculares aventuras na arte da caça.
Apelar pra verdade dos home às vezes dá certo. O major limpou a goela com uma talagada de “Monte Cassirio” (meio copo de cerveja, uma dose de Martini, uma dose de stanheiger becosa, uma dose de gin, uma dose de pitu. Bata bem e saia de perto). Vendo que tava pra desembarcar outra força-tarefa de lorotas, Ariranha pediu licença pra ir no “quartinho”. O major reabriu o teatro de operações:
A glande opaca da canoa neolítica deflorava o hímen do chavascal!
Pelarnordeus! Perece aquelas babaquices do Amaral Neto!
Avistamos uma ilhota a estibordo. Demos uma paradinha para fazer xixi. Ouvimos a estridência de uma araponga, um alerta- para o perigo que se avizinhava.
Tu fala com Araponga, Xará? Eu, hein! Que qui ela te disse?
O major arregalou os olhos e, com uma expressão de Vincent Price de subúrbio, botou a boca no clarim:
FOGO NESSAS COBRA!
Que araponga alarmista, malandro!
E o major, firme no posto:
FOGO NESSAS COBRA!
Escondeu-se atrás da jaqueira majestosa e sacou o 45. Por incrível que pareça, duas formas coleantes avançavam na direção do grande caçador. O suspense foi quebrado pela voz de Ariranha:
Se atirar nas minha solitária com essa parabelum, sangro vosmicê na ponta da peixeira. Yolanda! Adelina! Voltem pro papai!
O major fungou e bateu em retirada.
Ao som, a voz de Sucuri:
As solitária que eu tenho são dois bom fiscal da Lei.
Uma se chama José e a outra chama Sarney...”
Ê-hê, é verdade! Cantá presse povo bão, sô!

Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo

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