Dentre
as coisas que mais detesto, duas podem ser destacadas: ingratidão e
pessimismo. Sou incuravelmente grata e otimista e, comemorando quase
dois anos em Lisboa, sinto que devo a Portugal o reconhecimento de
coisas incríveis que existem aqui – embora pareça-me que muitos
nem percebam.
Não
estou dizendo que Portugal seja perfeito. Nenhum lugar é. Nem os
portugueses são, nem os brasileiros, nem os alemães, nem ninguém.
Para olharmos defeitos e pontos negativos basta abrir qualquer
jornal, como fazemos diariamente. Mas acredito que Portugal tenha
certas características nas quais o mundo inteiro deveria
inspirar-se.
Para
começo de conversa, o mundo deveria aprender a cozinhar com os
portugueses. Os franceses aprenderiam que aqueles pratos com porções
minúsculas não alegram ninguém. Os alemães descobririam outros
acompanhamentos além da batata. Os ingleses aprenderiam tudo do
zero. Bacalhau e pastel de nata? Não. Estamos falando de muito mais.
Arroz de pato, arroz de polvo, alheira, peixe fresco grelhado,
amêijoas, plumas de porco preto, grelos salteados, arroz de tomate,
baba de camelo, arroz-doce, bolo de bolacha, ovos moles.
Mais
do que isso, o mundo deveria aprender a se relacionar com a terra
como os portugueses se relacionam. Conhecer a época das cerejas, das
castanhas e da vindima. Saber que o porco é alentejano, que o vinho
é do Douro. Talvez o pequeno território permita que os portugueses
conheçam melhor o trajeto dos alimentos até a sua mesa, diferente
do que ocorre, por exemplo, no Brasil.
O
mundo deveria saber ligar a terra à família e à história como os
portugueses. A história da quinta do avô, as origens trasmontanas
da família, as receitas típicas da aldeia onde nasceu a avó. O
mundo não deveria deixar o passado escoar tão rapidamente por entre
os dedos. E, se alguns dizem que Portugal vive do passado, eu tenho
certeza de que é isso o que os faz ter raízes tão fundas e fortes.
O
mundo deveria ter o balanço entre a rigidez e o afeto que têm os
portugueses.
De
nada adiantam a simpatia e o carisma brasileiros se eles nos impedem
de agir com a seriedade e a firmeza que determinados assuntos exigem.
O deputado Jair Bolsonaro, que defende ideias piores que as de Donald
Trump, emergiu como piada e hoje se fortalece como descuido no nosso
cenário político. Nem Bolsonaro nem Trump passariam em Portugal. Os
portugueses – de direita ou de esquerda – não riem desse tipo de
figura nem permitem que elas floresçam.
Ao
mesmo tempo, de nada adianta o rigor japonês que acaba em suicídio,
nem a frieza nórdica que resulta na ausência de vínculos. Os
portugueses são dos poucos povos que sabem dosar rigidez e afeto,
acidez e doçura, buscando sempre a medida correta de cada elemento,
ainda que de forma inconsciente.
Todo
país do mundo deveria ter uma data como o 25 de abril. Se o Brasil
tivesse definido uma data para celebrar o fim da ditadura, talvez não
observássemos com tanta dor a fragilidade da nossa democracia. Todo
país deveria fixar o que é passado e o que é futuro através de
datas como essa.
Todo
idioma deveria carregar afeto nas palavras corriqueiras como o
português de Portugal carrega. Gosto de ser chamada de miúda. Gosto
de ver os meninos brincando e ouvir seus pais chamá-los
carinhosamente de putos. Gosto do uso constante de diminutivos. Gosto
de ouvir “Magoei-te?” quando alguém pisa no meu pé. Gosto do
uso das palavras de forma doce.
O
mundo deveria aprender a ter modéstia como os portugueses – embora
os portugueses devessem ter mais orgulho deste país do que costumam
ter. Portugal usa suas melhores características para aproximar as
pessoas, não para afastá-las. A arrogância que impera em tantos
países europeus passa bem longe dos portugueses.O mundo deveria
saber olhar para dentro e para fora como Portugal sabe. Portugal não
vive centrado em si próprio como fazem os franceses e os
norte-americanos. Por outro lado, não ignora importantes questões
internas, priorizando o que vem de fora, como ocorre com tantos
países colonizados.
Portugal
é um país muito mais equilibrado do que a média e é muito maior
do que parece. Acho que o mundo seria melhor se fosse um pouquinho
mais parecido com Portugal. Essa sorte, pelo menos, nós,
brasileiros, tivemos.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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