quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

A rua em mim

Rua do Areão, e vou submergindo
na pirâmide fofa ardente, areia
cobrindo olhos dedos pensamento e tudo.
Rua dos Monjolos, e me desfaço milho
pilado lancinante em água.
Rua do Cascalho, arrastam meus despojos
feridos sempremente. Rua Major Laje,
salvai, parente velho, este menino
desintegrado.
Rua do Matadouro, eu vi que sem remédio.
Rua Marginal, é sempre ao lado ao longe o amor.
Ao longe e sem passagem na Ladeira Estreita.
Rua Tiradentes, aprende e cala a boca.
Travessa da Fonte do Caixão, e tudo acaba?
Rua da Piedade, Rua da Esperança,
Rua da Água Santa, e ao úmido milagre
me purifico, e vida.

Carlos Drummond de Andrade, in Boitempo – Esquecer para lembrar

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