Através
da floresta vemos o mundo.
A
frase estava em sua cabeça pela manhã, levantou e antes de ver a
esposa olhou a janela.
Os
raios que passavam pelo vão da veneziana o faziam ter certeza de que
o dia seria lindo.
Alguns
passos e estava no berço da filha, um grande beijo molhou a bochecha
da pequena, que nem sequer sentiu.
Foi
em direção ao banheiro, colocou água dentro da boca e expeliu,
olhou no espelho e viu cabelos longos, e um brinco do lado direito.
Juntou
as mãos e pegou água, molhou o rosto e dessa vez viu a calvície e
uma orelha furada. Sentou no vaso, alarme falso, odiava perder tempo,
fechou a revista, subiu as calças novamente e foi pôr a água no
fogo, sua esposa adorava acordar já com algo adiantado.
A
empregada devia estar de ressaca hoje, todo domingo era assim, sabia
que folgava e no sábado enchia a cara de cerveja, talvez tivesse
saído com alguém, talvez alguém tenha colocado algo grande e firme
naquele belo traseiro. Não! Era melhor pensar em outra coisa, tantos
traseiros por aí e o da empregada vivia tumultuando sua mente.
A
água ferveu, ele pegou o pó, despejou e depois foi atrás do
açúcar; sua mulher sempre brigava.
Que
que é isso Calixto? Fazendo café à moda primitiva?
Mas
ele adorava fazer igual ao que tinha aprendido no pequeno comércio
do tio, hoje uma franquia muito respeitada, cujo nome ele sempre
achou ruim, afinal parecia o de um cara e não de uma franquia.
Ligar
empresas às pessoas, humanizar a escravidão, essas coisas ele
sabia, mas toda vez que pensava no assunto sentia que o nome ainda
era ruim.
Através
da floresta vemos o mundo.
Hoje
passaria o dia todo com isso na cabeça, quem sabe deveria escrever
de vez em quando, embora soubesse que não compensava ser escritor,
certeza adquirida pelo tanto de entrevistas que havia lido, a parte
financeira sempre pesava para todos, estranho, ele achava, um ator
ganhar tanto, para falar algo que outro escreveu, e o que criou tudo
aquilo vivia tendo uma vida medíocre e totalmente falida, mas quem
disse que a vida era justa? E talvez fosse verdade que eles só
criassem na adversidade, ou talvez ainda só reclamassem por osmose,
ou ainda quem tem que ganhar bem somente por mentir? De qualquer
forma, era um trabalho muito cansativo, arquivar sem pensar,
catalogar sem decidir, era muito melhor, pondo na balança Calixto
não arriscaria sua vida de classe média.
Passou
o café e depois despejou num pequeno copo um pouco, experimentou e
gostou: forte e quase sem açúcar, algo como a fórmula da criação
do mundo.
Carol
levantou, o rosto um pouco inchado, mas que em nada impedia sua
beleza de se manifestar, os cabelos assanhados sempre traziam
lembranças para Calixto.
Da
época que chegava na casa dos pais de Carol, pela manhã, e depois
subia no seu quarto silenciosamente, sentava ao pé da cama e ficava
olhando para ela durante vários, mas não longos, minutos. Ela abria
o olho delicadamente e soltava um sorriso, antes de dizer a mesma
frase de sempre.
Por
que você fica me olhando assim? Mas Calixto nunca pôde responder,
nunca teve coragem para isso. Não falaria de amor, do que sentia,
nem do medo daquilo acabar.
A
pequena despertou, a casa não teria mais aquela paz.
Troca
de roupa, pega o brinquedo, corre para abraçar a cachorra.
Sentados
na sala, eles desistiam todas as manhãs de ver TV, programação
repetida da noite passada, então pegavam um grande quebra-cabeça e
começavam.
Tranquilidade,
o domingo era assim denominado, pois, na segunda-feira, começaria
tudo de novo, natação para a pequena, trabalho para ele, estudo e
trabalho para Carol, uma infinidade de obrigações para não deixar
ninguém ter tempo de ver a realidade.
Fora
há muito a data em que tinham saído, antes passeavam pela praça
que ficava a alguns minutos dali. Um sorvete de limão para ele, um
de uva para ela, sempre de uva, suco de uva, salada de fruta com uva,
e os lábios ficavam lindos, com um batom feito pela natureza, uma
boca provocante, que ele vivia experimentando, mas não se saciava.
Já
a pequena gostava de morango, tudo tinha que ser de morango, os
lábios, as bochechas, o vestido, em poucos minutos ela estava toda
vermelha, o sorvete derretia mais rápido do que as pequenas
lambidas, ele ria muito, ela também, a pequena tentava lamber mais
rápido e não entendia por que riam tanto.
Foram
à loja de brinquedos, andaram pelos corredores, vendo os pedaços de
plástico para os adultos e as maravilhas coloridas para as crianças,
vendo os preços para os adultos, e o que era mágico para as
crianças.
Oi,
linda!
Oi,
papai, você vai pegar o Coringa?
Vou,
sim, o papai é quem?
Olha,
você é o Batman.
Por
que eu sou o Batman, meu amor?
Você
é super-herói.
Ferréz, in Deus foi almoçar
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