terça-feira, 12 de julho de 2022

Definições

Uma pessoa é uma coisa muito complicada. Mais complicado do que uma pessoa, só duas. Três, então, é um caos, quando não é um drama passional. Mas as pessoas só se definem no seu relacionamento com as outras. Ninguém é o que pensa que é, muito menos o que diz que é. Precisamos da complicação para nos definir. Ou seja: ninguém é nada sozinho, somos o nosso comportamento com o outro. Principalmente com aquela versão extrema do outro que é o outro de outro sexo.
Segundo uma pesquisa recente, as pessoas se dividem em seis tipos básicos, de acordo com seu comportamento com o (e como) sexo oposto. Se você não se enquadrar em nenhuma destas categorias, procure orientação. Você pode estar no planeta errado.
O primeiro tipo é o Simbiótico. É o que, numa relação, exige e cede mais ou menos na mesma proporção. Avança e recua, morde e sopra, questiona e entende e aceita qualquer coisa para evitar o rompimento, com a possível exceção da frigideira na cabeça. Vê o amor um pouco como um cargo público em que o principal é a estabilidade. Algo inseguro, precisa ouvir constantemente que a relação está firme, muitas vezes acordando o(a) parceiro(a) no meio da noite para perguntar isso e precipitando o desentendimento. Frase característica: “Eu peço desculpa se você pedir.” Depois tem o tipo Civilizado. É o que se preocupa em ter um comportamento esclarecido em relação ao outro, respeitando a sua iniciativa própria e o seu espaço, e só reagindo em casos como o do aparecimento de uma terceira escova de dentes no banheiro sem uma explicação convincente. O par civilizado acredita que o amor deve refletir as conquistas da modernidade, como a tolerância, o respeito mútuo e, acima de tudo, contas separadas para o caso de algum litígio terminar em frigideira na cabeça e processo.
O tipo Egoísta. Como aquele marido que telefonou para a mulher para explicar seu súbito desaparecimento, dizendo que tinha dado um desfalque na firma e fugido para a Flórida com a dona Neide da Contabilidade e que os dois estavam naquele momento no Disneyworld e prestes a entrar na Montanha Mágica, e quando a mulher começou a chorar, disse: “O que é isso, sua boba? Não tem perigo nenhum.” Mas este não é um exemplo típico. Geralmente o egoísmo, no amor, se manifesta em pequenas coisas como dizer, durante o ato sexual: “Você se importa de acabar sem mim? Amanhã tenho dentista às oito.”
Uma versão atenuada do tipo Egoísta é o tipo Individualista. Este sempre deixa claro, ao começar uma relação, que não sacrificará sua individualidade pelo amor, e estabelece os limites de cada parceiro. A mulher sempre é mais vaga nas suas reivindicações de independência, protegendo seus interesses separados, seus momentos de recolhimento e reflexão ou uma vida social própria, enquanto o homem é mais específico, dizendo coisas como “se tocar no meu time de botão, apanha”.
O tipo Controlado dá sempre razão ao outro, cuida do que diz, suprime sua agressividade e enfrenta qualquer problema de costas, recusando-se a vê-lo. Em suma, se controla. Frase característica: “Tudo bem.” Prefere a mesmice a grandes rompantes românticos e encara com naturalidade qualquer manifestação do outro. Inclusive a frigideira na cabeça. Mas tem uma coisa: no dia em que explodir, derruba a casa junto.
O tipo Doador só tem uma preocupação: fazer tudo pelo outro, inclusive sacrifícios extravagantes como tirar a comida da própria boca, o que sempre causa embaraços em restaurantes. Sua maior felicidade é ser suficientemente desprendido e acumular créditos emocionais o bastante para um dia poder dizer para o outro a grande frase, para a qual ele vive: “Depois de tudo que eu fiz por você!”. O tipo Doador é, na verdade, o tipo Chantagista disfarçado.

Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça

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